CURADOR de arquitetura do Museum of Modern Art de Nova Iorque desde janeiro, Pedro Gadanho diz que há vida além dos arquitetos-estrela e que a sustentabilidade é um slogan com custos sociais. É arquiteto, mas desenhou poucas casas. Em vez disso, estudou, criticou, selecionou e expôs o trabalho dos outros. Aos 43 anos, é curador no Museu of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque, referência mundial na arte e no design, onde é responsável pela arquitetura contemporânea no Departamento de Arquitetura e Design. Por enquanto vive em Brooklyn, mas até ao verão, quando a mulher e os três filhos chegarem, quer mudar de código postal várias vezes.
Em dezembro a notícia da sua contratação foi comentada em Portugal como se de um jogador de futebol se tratasse. Mas em vez da bola nos pés, segurou um estirador nas mãos. Sentiu-se um ponta de lança do país?
_O que senti nesses dias foi que Portugal estava a precisar de heróis normais. E não as figuras do costume. Agora, se calhar, já me tornei numa das figuras do costume, mas antes não o era. Seguramente.
Os seus colegas são maioritariamente americanos?
_A Paola Antonelli [curadora sénior do departamento] é italiana, a Juliet Kinchin [curadora] é escocesa. Temos estagiários que vêm da Dinamarca, do Reino Unido, do Canadá… E temos muitos americanos. Uma coisa que me surpreendeu foi descobrir uma quantidade assinalável de curadores que são europeus. E isso tem que ver com o facto de o MoMA querer ser uma plataforma internacional, mais do que americana.
A escolha do seu nome enquadra-se nesse espírito?
_Acho que sim. Os curadores europeus aparecem como alguém que tem uma visão além dos EUA, muito atenta a outras realidades.
Já trabalha em novas exposições. Em que vão consistir?
_A primeira, em setembro, é uma rotação de peças da coleção. É uma exposição focalizada nos anos 1950 que tem algo que ver com a questão da política. Como é que os arquitetos conseguem ser políticos na sua relação com a cidade? Como é que conseguem ter posições políticas? Tem algo que ver com o facto de a economia se ter sobreposto e afogado esse ideal político.
Na sua posição, tem o poder de legitimar algumas franjas da atividade. Como encara isso?
_Implica muita responsabilidade. A partir do momento em que é feita a escolha de uma obra, há uma legitimação de modos de ver e de fazer, o que, aliás, faz parte do código genético do MoMA. O Philip Johnson, um dos primeiros arquitetos a assumir o papel de curador nesta área, era alguém que identificava uma tendência e lançava uma ideia de para onde as coisas estavam a ir.
Que tendências identifica agora que gostava de trazer para o espaço público?
_Sobretudo trabalhos que mostram a consciência social do arquiteto perante situações de crise, escassez de recursos, desigualdade, desequilíbrio. [Quero] usar a plataforma do museu para instigar o debate, colocar em questão a forma como a arquitetura foi entendida nas últimas décadas, muitas vezes associada a uma construção de imagem e representação de poderes, económicos ou políticos, que se identificou com aquilo que se chama de estrelato arquitetónico.
Os arquitetos-estrela não lhe interessam?
_Esses arquitetos que se tornaram estrelas tinham um trabalho muito interessante por trás e não quero descartar a sua importância. Mas gostava de oferecer uma visão mais diversa do potencial da profissão. Entender a arquitetura em dimensões que podem ser tomadas por arquitetos jovens que enfrentam situações de desemprego ou falta de encomendas.
Qual pode ser o lugar dos jovens que saem da faculdade e não encontram emprego ou dos que estão a ser despedidos pelos grandes ateliers?
_Hoje em dia há imensas formas de participação. Podem ter que ver com áreas necessitadas de conhecimento arquitetónico, como a África e a América Latina. Mas também em níveis mais avançados. Na Europa, pode assistir-se a um trabalho mais direto com a comunidade, relacionado com necessidades prementes que o Estado deixa de poder resolver numa situação de crise ou austeridade. Os arquitetos devem encontrar uma nova forma de se relacionar que não passa por fazer o edifício emblemático. Além disso, a questão da reabilitação é um problema muito evidente. Há trabalho a fazer nessa área. Aquilo a que chamo de retro-fitting, a capacidade de adaptar uma estrutura antiga a necessidades e tecnologias novas.
Está a desenhar o perfil de um arquiteto multifacetado que trabalha como designer, urbanista…
_Ou que até não trabalha com nenhuma dessas coisas. É simplesmente um consultor. Alguém que tem uma consciência global da cidade e pode oferecer uma resposta out of the box. Alguém que traz o seu pensamento para um fórum político mais participativo.
E pode fazer-se dinheiro nessas atividades?
_Muitas vezes os arquitetos são mais criativos quando há o low budget. Isto não deve implicar que os arquitetos ganhem menos, mas que as soluções encontradas sejam mais económicas. Os arquitetos ganham normalmente uma percentagem do custo da obra. Se o orçamento for mais baixo, ganham menos. Sempre achei isto absurdo.
O Pedro não é um arquiteto tradicional, no sentido de que não fez muitos edifícios e dedicou o seu tempo à investigação, à crítica, à curadoria. A definição mais ampla de arquitetura que propõe tem que ver com o seu percurso?
_Sim. Mas o meu percurso também tem uma razão de ser económica, uma necessidade de sobrevivência.
Quando começou a exercer já se sentia a crise?
_Não conseguia sobreviver fazendo apenas arquitetura. Não tinha uma rede social com potenciais clientes ricos e não tinha vontade de andar à caça desses clientes e submeter-me à sua vontade. Depois, estava imiscuído numa realidade social mais rica e queria explorá-la. Mas não deixei de fazer arquitetura. Fiz uma escolha deliberada de fazer pequena escala para manter outras atividades. A partir de certo ponto fazer interiores tornou-se uma atitude política. Num contexto em que houve um excesso de construção, fazer interiores era dizer que não se devia construir mais.
Esse trabalho está no extremo oposto ao que está a defender para os arquitetos de hoje.
_«Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço» [risos]. Mas nada garante que, se a minha arquitetura continuasse a evoluir, não tentasse responder a essa aparente contradição.
Disse numa entrevista recente que o trabalho de um arquiteto nunca foi tão reconhecido ou consumido, mas que isso não se traduz num aumento de trabalho.
_Não se traduz para os setores mais jovens. Esse reconhecimento funciona para agentes que precisam de reconhecimento ou legitimação usarem nomes com capacidade de promover certos projetos economicamente, mas não serve para as pessoas perceberem que podem usar os serviços de um arquiteto num nível ligado ao quotidiano.
Esses pequenos projetos não são o sonho de quem sai das faculdades…
_Obviamente que um arquiteto prefere ter uns honorários brutais por fazer um grande edifício que mantém o escritório por dois ou três anos. Mas se fizer dez ou 12 por mês também consegue sustentar o atelier. Tem de se pensar noutras escalas económicas.
Vai tentar representar a arquitetura sustentável no MoMA ou esse trabalho está feito?
_Acho que a arquitetura sustentável tornou-se numa espécie de slogan e, a partir desse momento, interessa-me menos. Interessa-me que a arquitetura responda à limitação de recursos, mas quando isso se torna num slogan que justifica projetos comerciais com muito pouco de sustentável e custos brutais que alimentam a exclusão social, adoto uma distância muito crítica.
Qual é o orçamento do seu departamento?
_Não posso dizer. Também não o sei ao certo.
Nos EUA, o mecenato é uma realidade omnipresente. Terá alguma função nesse aspeto?
_As funções estão muito bem delimitadas no museu e angariar fundos não é função de um curador. No entanto, poderei propor apoios para certos projetos e aquisições. Por vezes, fará sentido que seja eu a recomendar quem é mais indicado para este ou aquele projeto e até ter contactos para explicar o objetivo, mas não é essa a minha função.
No final do seu período no MoMA, como gostava de ser recordado?
_Como alguém que introduziu coisas de extrema contemporaneidade no campo da arquitetura; alguém que cumpriu a missão para a qual foi convidado: ser embaixador do mundo. Ao contrário de uma tendência dos últimos anos, muito centrada na cultura da Europa e dos Estados Unidos, quero mostrar o trabalho de gente de geografias muito distintas.
O MoMA está institucionalizado? Isso não o pode condicionar?
_Uma máquina onde trabalham oitocentas pessoas diariamente tem de usar métodos de trabalho eficazes. Também é inevitável que haja o cuidado de ter algumas certezas com o que se está a apresentar. Têm de ser coisas já muito reconhecidas e isso implica uma certa institucionalização. A mim agrada-me a ideia de romper ligeiramente com essa noção e acho que há liberdade para isso. É isso que pretendo fazer.
25 de março de 2012
Por Alexandre Soares, em Nova Iorque in http://www.jn.pt/revistas/nm
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Arquitecto português foi escolhido num concurso internacional lançado pelo museu de Nova Iorque. “É o corolário de uma carreira de freelancer em áreas inovadoras na arquitectura.”
Pedro Gadanho vai ser o curador de Arquitectura Contemporânea no Departamento de Arquitectura e Design do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque. O arquitecto que foi responsável pela representação portuguesa na Bienal de Veneza de Arquitectura em 2004 vai dirigir, a partir de Janeiro, o sector das exposições e aquisições, e ainda o dos Jovens Arquitectos.
A escolha do arquitecto português, confirmada na quarta-feira pelo MoMA ao PÚBLICO, foi resultado de um concurso internacional lançado em Março. “Comecei por enviar o meu currículo, mas, no início, a minha expectativa de vir a ser escolhido era zero”, confessou Pedro Gadanho. Acrescentou que começou a acreditar que teria possibilidades em Setembro, quando foi chamado a Nova Iorque para entrevistas. “Percebi que estava já numa “short list” de quatro ou cinco nomes, mas tinha consciência de que, mesmo chegando à final, o escolhido poderia ser o outro”, disse o arquitecto, feliz com a abertura desta nova etapa na sua vida.
Pedro Gadanho vê a sua escolha para o MoMA como “o corolário de uma carreira de ‘free lancer’ em áreas inovadoras no domínio da arquitectura, que têm crescido muito nos últimos anos”.
Nascido na Covilhã, em 1968, Pedro Gadanho diplomou-se na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), onde actualmente é professor. É mestre em Arte e Arquitectura pelo Kent Institut of Arts and Design, em Inglaterra, e tem dividido a sua actividade entre a docência e a profissão de arquitecto, mas também a de curador, crítico, investigador e editor. Neste domínio, é responsável pela série “Beyond, Short-Stories on the Post-Contemporary”, em Amesterdão, e pelo blogue ShrapnelContemporary (shrapnelcontemporary.wordpress.com). Colabora com regularidade em diversas publicações internacionais.
No currículo de curador, além da responsabilidade pela instalação “Metaflux” na Bienal de Veneza de 2004, Pedro Gadanho comissariou as exposições “Post. Rotterdam”, para a Porto 2001, “Space Invaders”, para o British Council de Londres e “Pancho Guedes, um Modernista Alternativo”, para o Museu da Arquitectura da Suíça (sobre este arquitecto, assinou também um documentário para a RTP). Fez ainda parte da direcção da ExperimentaDesign, em 2003 e 2004.
Pedro Gadando publicou recentemente o livro “Arquitectura em Público” (Dafne), que fixa a sua tese de doutoramento na FAUP, um estudo sobre a atenção mediática àquela disciplina durante década e meia nas páginas do PÚBLICO e noutros “media”.
Entre os projectos que Pedro Gadanho tem presentemente em mãos, encontra-se o concurso “Performance Architecture” para Guimarães 2012, um concurso internacional, que decorre até Janeiro, para a selecção de propostas de intervenção temporária no espaço urbano. “É um projecto que visa principalmente o envolvimento da população local com arquitectos, artistas e designer no contexto urbano”, explica o arquitecto.
22 de Dezembro de 2011
Por Sérgio C. Andrade com Luís Miguel Queirós in http://ipsilon.publico.pt/