FERNANDA Matos já tem 81 anos. Terezinha (Fernanda Matos) é personagem principal da primeira longa-metragem de ficção de Manoel de Oliveira – o «Aniki Bobó» (1942). E no Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações faz todo o sentido falarmos do cineasta e, também por isso, recebe este ano, durante a Gala da Ciência, o prémio Open Mind das mãos daquela que foi a sua primeira pequena actriz e que hoje já tem 81 anos e com quem o «Ciência Hoje» esteve à conversa.
A portuense, nascida e criada como costuma dizer, recordou com saudosismo as filmagens e cada um dos membros envolvidos na produção. É acolhedora, morna, afável. A casa e a anfitriã. O Aniki bobó deixou-lhe memórias e uma identidade, mas nem por isso Fernanda quis seguir o caminho da representação. Foi enfermeira. É casada e feliz. Tem quatro filhos, sete netos – a quem chama os seus anõezinhos – e duas bisnetas.
Quando fala da sua participação no filme regressa à infância. A história da longa-metragem é baseada no conto «Os Meninos Milionários», de João Rodrigues de Freitas. No «Aniki Bobó», dois miúdos, o Carlitos (Horácio Silva) e o Eduardinho (António Santos), gostam da mesma menina, a Terezinha (Fernanda Matos). Um deles é atrevido e brigão e o outro é calmo e tímido, mas rivalizam para conquistá-la. A acção desenrola-se na ribeira do Porto.
Um dia, acontece um acidente na linha de comboio e o Eduardinho vai parar ao hospital. Todos pensam que o Carlitos é o culpado. Mais tarde, quando o engano é desfeito, todos voltam a brincar ao aniki bobó – um jogo de polícias e ladrões –, que Fernanda Matos diz nunca ter jogado nem conhecer até essa altura.
Recordações de criança
Mantém estreitas relações com o realizador e ainda vê o Horácio Silva. O António Santos já faleceu. A sua admiração por Manoel de Oliveira foi crescendo ao longo dos anos, por ser uma pessoa que sonhou acordado. Diz que “sonhar é encurtar a velhice” e, talvez por isso, Manoel de Oliveira fará já 104 anos em Dezembro deste ano, porque “sonhou toda a vida”.
A meio das gravações esteve para desistir, que classificou como impaciência de criança. No entanto, terminou a rodagem e tornou-se na Terezinha. Foi encontrada por acaso. Manoel de Oliveira andava pelas escolas à procura de crianças. Fernanda leu, recitou e cantou a pedido da professora. Foi a escolhida entre muitas outras que gostariam de o ter sido. Aliás, numa homenagem a Manoel de Oliveira decorrida na Casa da Música, 66 anos depois da rodagem de Aniki-Bobó, mais de uma centena de Terezinhas se inscreveram, contou Fernanda Matos visivelmente incomodada com a falta de seriedade.
Ao jornal «Ciência Hoje», recordou gravações, sessões fotográficas e conversas. Guarda tudo aquilo que está associado à sua passagem pela tela – tem um álbum de recortes de jornais e fotografias feitas aquando da prova, tem o filme em (VHS) e a cópia renovada em DVD. “Há pouco tempo, vi o filme, sentei-me aí e ri e chorei”, contou. Nunca recebeu dinheiro pela sua participação, mas disse concluindo: “O Manoel de Oliveira deixou-me uma herança para toda a vida, que passou para os meus filhos, netos e bisnetas”.
Texto de Marlene Moura e foto de Luísa Marinho publicado in http://www.cienciahoje.pt