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O “Devir” de Melanie Moreira dos Santos

O “Devir” de Melanie Moreira dos Santos

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A PAIXÃO pelo fado surgiu muito cedo em Melanie Moreira dos Santos. Era ainda criança quando surpreendeu a mãe ao escolher um fado para cantar. Nasceu em França mas veio para Portugal muito pequena, residindo na Aparecida. Com 15 anos de carreira, lançou agora mais um CD. “Devir”, assim se chama o álbum, que a artista considera o culminar da sua maturidade e o encontro com o seu estilo.

Jornal de Lousada (JL): Como surgiu este gosto que tens pelo canto, em geral, e pelo Fado, em particular?

Melanie dos Santos (MS): É uma história muito engraçada. Desde sempre que gostei de cantar. O fado surgiu porque a minha mãe também cantava e tocava umas coisas à viola – mas não gostava de fado. Um dia fizeram-lhe um convite para ela fazer um espectáculo lá na terrinha. Na altura, como eu gostava muito de cantar disse-lhe que também queria ir e ela ficou muito assustada, mas disse: «Vais e cantas umas coisas comigo!» e eu disse: «Não, mãe. Eu quero é cantar um fado!”. Tinha 11 anos. Na altura, como a minha mãe não cantava fado, ensinou-me umas quadras que ela sabia – as únicas que ela sabia – e lá participei nesse espectáculo. As pessoas gostaram – não sei se gostaram da minha voz ou se me acharam piada por ser muito pequeni­na – e, a partir daí, nunca mais parei. Entrei em concursos, espectáculos, gra­vei o meu primeiro CD com 13 anos e com 14 já estava a ir para o estrangeiro.

JL – É fácil ser fadista?

MS: No Porto, não. Se calhar em Lisboa, é, porque há muito mais oportunidades. No Porto, é muito complicado. Até porque há muito poucas casas de fado. E se calhar as pessoas no Porto não dão tanto valor aos artistas que têm na cidade, porque só o que está em Lisboa é que é bom. Mas com muito esforço e com muito trabalho, consegue-se chegar a algum lado. Mas ser fadista, hoje em dia, está na moda.

JL – O que é preciso ter para se ser fa­dista?

MS: Eu acho que nasce connosco. É pre­ciso também algum trabalho, é preciso ouvir muito, é preciso encontrar o nosso estilo, mas eu acho que tem que nascer connosco. Acho que uma fadista consegue cantar qualquer tipo de música. Enquanto que ao contrário – um cantor de outro estilo tentar cantar o fado – já é um bocado mais complicado.

JL – E já tentaste outro estilo?

MS: Em casa, na banheira (risos). Se calhar um dia talvez experimente ou­tro tipo de música, mas o que eu gosto mesmo é o fado.

JL – E consegue-se ganhar muito di­nheiro numa carreira como fadista?

MS: Com muito trabalho. Mas muito dinheiro não digo. Se calhar, há quinze anos, ganhava-se muito dinheiro no fado, mas agora como o fado está na moda e têm aparecido muitos e muitas fadistas fica um bocado mais complicado, mas com trabalho julgo que se vai lá.

JL – Quais os momentos mais mar­cantes da tua carreira?

MS: Talvez quando estive no Coliseu do Porto, no Coliseu de Lisboa, na Casa da Música e no Centro Cultural de Belém (CCB). Mas destacaria os Coliseus em particular, porque são salas muito grandes. Quando atuei nos Coliseus tinha 13/14 anos e foi num concurso. Na altura, fui muito destemida, não me preocupei, não estava nada nervosa quando entrei, mas se fosse hoje pensava duas vezes. Teria ido na mesma, mas ia muito a medo, porque são salas muito grandes e é uma res­ponsabilidade acrescida. Mas tive a sor­te de ficar em primeiro lugar. Foi um momento muito bom, porque a sala estava cheia e, pronto, é “O Coliseu”, ou seja, das salas mais bonitas e mais em­blemáticas do nosso país.

JL – Além do fado também deste uns passinhos no mundo da moda. Fala-nos um pouco dessa experiência.

MS: Isso foram oportunidades que surgiram. Eu nunca fui manequim, nunca fui modelo. Fiz alguns desfiles e trabalhei numa agência. Mas nem dou grande importância a isso, porque não me considero modelo, nem acho que tenha assim muito jeito para isso.

JL – E como é que surgiu essa passa­gem pelo mundo da moda?

MS: Foi através de convite. E já que surgiu, eu aproveitei. E é algo giro. Mas julgo que isso já passou, além de que eu não tenho altura para fazer passerelle. Sou alta, mas não tenho 1,80m. Nunca poderia ser uma boa manequim a nível nacional, porque é preciso ter altura e é preciso ter algo mais. Foi mais por brincadeira do que por outra coisa. Gostei, mas foi só para experimentar.

JL – É um mundo diferente?

MS: Sim, é. Eu como venho do mundo do fado, que também é um mundo diferente, não foi um impacto muito grande, mas é sem dúvida um mundo diferente. Tem que haver uma mentalidade muito aberta.

JL – Voltando à tua carreira como fadista. Recordas-te de algum problema em concreto que te colocasse numa situação mais incómoda ou embaraçosa?

MS: Sim, isso acontece várias vezes. Já me aconteceu, por exemplo, entrar em palco, os músicos já estarem a tocar e eu começo a cantar e o microfone está desligado. E eu canto para o nada, porque as pessoas não ouvem. Já me aconteceu, também, chegar ao local de um concerto e não ter sítio para me vestir e ter de me vestir dentro do carro. De vez em quando, surgem assim umas coisas engraçadas.

JL – Como é que um fadista consegue agarrar o seu público?

MS: As pessoas têm mesmo que gostar de fado. Quando vão a uma Casa de Fado é porque realmente gostam de fado. É muito mais complicado fazer um concerto num bar, porque, muitas das pessoas que lá estão, não é para ouvir fado. Vão lá tomar um café ou beber um copo e entretanto apercebem-se que há música. É muito mais complicado agarrar esse tipo de público, do que estar numa Casa de Fado, onde as pessoas estão propositadamente para ouvir o fado. Mas não acontece sempre, não se agarra sempre o público. Há pessoas que gostam e há pessoas que não gostam. Mas claro que é sempre bom quan­do as pessoas gostam e, no fim, nos vêm dar os parabéns.

JL – Costumas ir a Casas de Fado Vadio?

MS: No Porto, as Casas de Fado que existem são, na sua maioria, casas de fado profissional. Em Lisboa, existem mais essas Casas de Fado Vadio. No final dos concertos, vou muitas vezes à Casa da Mariquinhas e, de vez em quando, chamam-me para cantar. Mas é giro, porque as casas têm um elenco fixo, depois vão chegando os artistas, vão cantando.

JL – Referiste há pouco que “o fado está na moda”. Porquê essa opinião?

MS: Sim, está. Não sei porquê, mas está. Têm surgido novos talentos no fado e ainda bem, porque os que nós tínhamos, há uns anos, começam a ficar velhotes e o fado podia acabar por morrer e assim, ao surgir estas novas vozes, é sinal que isto vai ter continuação, o que é ótimo, porque é a nossa música.

JL – Qual a tua maior ambição, neste momento?

MS: Gostava muito de ir para Lisboa. Gostava de fazer carreira lá. Em Lisboa é muito mais fácil. Há muito mais oportunidades. Há muito mais Casas de Fado, as grandes editoras estão lá e o Porto é muito pequenino e, normalmente, como disse há pouco, existe aquela ideia de que os fadistas do Porto nunca são bons. Há muito bons fadistas no Porto, mas no entanto, mesmo para as pessoas do Porto, os bons são os de Lisboa e é uma pena, porque nós temos grandes artistas no Porto. Eu tenho carreira cá no Porto, continuo a fazer os meus concertos e dá para viver. Mas Lisboa era para chegar “lá cima”.

JL – E Lousada, é uma boa bandeira para louvar?

MS: Claro, é a minha terra. Para todo o lado que vou, faço questão de dizer que sou da Senhora Aparecida, em Lousada. E é com muito orgulho que digo isso.

JL – É difícil singrar ou fazer a diferença numa carreira como fadista? Quais os melhores instrumentos para vingar nesta área e que estão alheios ao talento?

MS: Não sei. É difícil responder a essa pergunta. É preciso muita coisa. É preciso voz, é preciso imagem, é preciso saber estar em palco, uma data de coisas. E depois, se calhar, é preciso alguma ajuda, alguma cunha, alguém que nos consiga mostrar o caminho, porque sozinha acho que é muito difícil. Por exemplo, a Ana Moura surgiu porque gravou com o Jorge Fernando, a Mariza surgiu porque gravou com o Jorge Fernando.

JL – Tens de gravar com o Jorge Fernando também. (risos)

MS: Eu conheço o Jorge Fernando e já gravei uma primeira parte dele, mas, lá está, elas – a Mariza e a Ana Moura – estão em Lisboa e é como eu disse: cá no Porto é um bocado com­plicado.

JL – Foi difícil lançares este teu último álbum?

MS: Eu já não gravava desde os 18 anos, porque senti que o próximo álbum tinha de ser algo com mais maturidade, tinha de ser algo mais meu. Senti que tinha de me encontrar, que tinha de encontrar o meu estilo. E ainda foram uns aninhos de pausa – dos 18 aos 26 anos. Mas acho que sou eu, neste álbum. Gravei aquilo que quis, escolhi os meus poemas, escolhi os poetas para escreverem os meus poemas, escolhi as músicas e gravei com os músicos que quis.

JL – E está a correr bem o seu lançamento no mercado?

MS: Sim, está a correr bem. Está na Fnac à venda e tem corrido bem. Estou na fase de promo­ção.

JL – Vamos então cingir-nos a uma esfera mais pessoal. Como é a Melanie?

MS: Ui, que pergunta complicada. É melhor falar dos meus defeitos primeiro. Sou muito teimosa, um bocadinho orgulhosa, mas quando não tenho razão assumo e dou o braço a torcer. Gosto muito de comer e nunca tive muitos problemas com isso. Como o que quero e como bastante. Às vezes a minha mãe tira-me o prato da frente e diz-me «Já chega!» (risos). Gosto muito de dormir. Durmo pouco agora porque tenho um bebé muito pequenino, mas gosto muito de dormir, e também de dançar. Gostava de aprender a dançar salsa e tango. Mas danço qualquer tipo de música…! Não sou muito de discotecas. Vou de vez em quando, mas não assiduamente. Agora prefiro um bom bar, não gosto tanto da confusão.

JL – Tens algum sonho que esteja por concre­tizar?

MS: Tenho um sonho que gostaria de concretizar, não sei é se será para já. Gostava muito de tirar o curso de Consultoria de Imagem. Ajudar a melhorar e a transformar a imagem das pes­soas. Acho que era capaz de ter jeito para isso. Gostava também de tirar o curso de maquilha­dora profissional.

JL – Tens muito admiradores?

MS: Sempre tive fãs. Mas são fãs pelo fado e não pela beleza. Claro que existe sempre um ou ou­tro admirador que se aproxima por essa razão, mas não dou muita importância a isso. Nunca tive namorados do fado.

JL – Apesar de não teres namorado, existe um homem na tua vida. Fala-nos do teu filho.

MS: O meu pimpolho tem um ano e meio, neste momento, e é a melhor coisa do mundo. Ser mãe é a melhor coisa do mundo.

JL – Como foi para ti o dia em que ele nasceu?

MS: É um momento único, gostava de repetir. Não sei se ao ter o segundo filho a sensação é a mesma, mas quando se pega num filho pela primeira vez ficamos sem ar, as lágrimas correm-nos pela cara abaixo. Não dá para explicar a felicidade.

JL – É fácil desempenhar esse papel: o de ser mãe?

MS: Acho que tenho a profissão ideal para poder cuidar do meu filho. Durante o dia posso estar com ele e à noite, ele adormece, e posso ir cantar. Deixo-o com a minha mãe, como é óbvio.

JL – Ele já te ouviu a cantar?

MS – Eu para os concertos nunca o levo comigo, mas já cantei perto dele e quando me ouviu, assustou-se e começou a chorar. Mas era muito pequenino, por isso é normal.

Ele gosta muito de música e já dança. Por isso se calhar vai gostar deste “meu mundo”.

Curtas:

Idade: 26 anos

Signos: Capricórnio

Maior defeito: teimosia

Maior erro: Comer muito antes de um con­certo

Adora: Comer

Detesta: Acordar Cedo

Ídolo: Amália Rodrigues

Género Musical: Fado

Música Preferida: Fado Menor

Cor Favorita: Rosa

Clube: Benfica

Filme: Feliz Acaso

Intérprete: Carminho

Prato Favorito: Empadão

Curiosidade: Gosta muito de Matemática

 

Por Ana Camboa e José Ferreira in http://jornaldelousada.com/

 

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