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Maria Manuela Tavares de Sousa

Maria Manuela Tavares de Sousa

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MARIA Manuela Tavares de Sousa está à frente dos destinos da maior chocolateira portuguesa, a mítica fábrica Imperial, onde trabalha desde 1984 e que fez crescer setenta por cento. Aquele que foi o primeiro emprego desta engenheira química transformou-se também na sua paixão. Eis uma viagem ao mundo do chocolate, visto pelos olhos de uma mulher enérgica.

Ainda consegue comer chocolates?

_Consigo. Estou sempre a comer!

Já gostava de chocolate antes de vir trabalhar na Imperial?

_Sempre gostei, desde miúda. Como a maioria dos mortais. Dos 3 aos 99, quase toda a gente gosta, e até acho que já nascemos com uma predisposição natural para gostar de chocolate, pela simples razão de que o chocolate dá prazer e bem-estar. Tudo isto é química. O cacau tem um componente que é o triptofano, um precursor da serotonina, substância que se liberta no nosso organismo quando temos sensação de felicidade e bem-estar. O chocolate tem de ser visto como um alimento, que dá energia, que é uma coisa boa. E dá prazer! Diga lá quantos alimentos existem que, além de darem energia, dão o prazer que o chocolate dá? Devem ser muito poucos… Gosto de chocolate desde miúda. E continuo a adorar.

E a comer.

_Sim. Eu tenho muito o hábito, quer em trabalho quer em lazer, de ver o que há de novo no mundo do chocolate. Em qualquer aeroporto por que passe ou loja que venda chocolate vou sempre ver e compro imensas amostras. As pessoas não percebem que estou a comprar amostras. Às vezes, os senhores doduty free dos aeroportos, quando eu compro quilos de chocolate, ficam a olhar para mim. E ontem aconteceu isso. Eu vinha de Lisboa, comprei umas amostras de produtos novos da concorrência. No tempo que o avião parou aqui no Porto eu dediquei-me a ver as embalagens – também me interessa o aspeto e a abertura – e depois abri as embalagens todas, umas cinco ou seis, e de todas elas repeti três vezes a prova. O senhor que estava ao meu lado olhava para mim e ria-se, sem fazer a mínima ideia de que eu trabalho numa fábrica de chocolates [ risos ].

Mas não chegou à fábrica por causa do chocolate, pois não?

_De todo… Tirei o curso de Engenharia Química. E na cadeira de anteprojecto escolhi a opção têxtil. Em primeiro lugar porque a moda e o têxtil me atraíam imenso, e depois porque vinha de uma família de Guimarães desde sempre ligada à indústria têxtil, com várias fábricas em diversas áreas desta indústria. E no fim do curso fui convidada pelo professor para vir a uma entrevista à Imperial. Fiquei surpresa, mas entusiasmada, e vim. O convite era para gerir o departamento de desenvolvimento da empresa, que é fascinante. Para uma miúda de 23 ou 24 anos, era a coisa mais apaixonante que tinha tido. Gerir um departamento de investigação e desenvolvimento de uma empresa de chocolates, que ainda por cima adoro, era algo de especial. Aceitei, comecei logo a trabalhar no dia 3 de setembro.

Não sabia nada de chocolate?

_Na altura não… Mas depois é todo um processo. Em primeiro lugar é uma questão de atitude, isto é, as pessoas têm de ter a capacidade de agarrar os projetos. Eu agarrei o projeto. De chocolate não sabia nada, mas sabia de muitas outras coisas que me permitiram começar a perceber de chocolate.

E os seus pais achavam que a filha ia continuar a trabalhar nas fábricas?

_Não, não estava determinado, mas parecia-me óbvio que trabalharia na área têxtil. Os meus pais eram pessoas fantásticas e que sempre nos incutiram muita liberdade, mas também responsabilidade. A minha mãe era farmacêutica.

O têxtil vinha de família?

_Sim, do meu avô. As fábricas foram fundadas pelo meu avô e posteriormente ampliadas pelos meus tios.

Não foi estranho na época ter escolhido Engenharia? Não era uma coisa para meninas…

_Era menos para meninas… Mas apesar de tudo, Engenharia Química era o curso das Engenharias que mais meninas tinha. E na altura de escolher, aos 17 ou 18, decidi pela Engenharia Química. Foi um período de grande aprendizagem, e um motor de desenvolvimento pessoal muito grande, que depois me permitiu, mais tarde – com especializações que fui tirando noutras áreas, nomeadamente na gestão e marketing – abrir o espírito e a mente, e criar competências, acho que é um curso em que nos ensinam muito a ser proativos. É por isso que há engenheiros em várias áreas…

O chocolate não é também um mundo de homens? Os grandes chocolateiros, as marcas…

_Sim. No mundo dos chocolates, tirando uma multinacional que é liderada por uma mulher – a Kraft -, é um mundo de homens. No meu curso de especialização, na Alemanha, éramos apenas três raparigas. Devíamos ser uns trinta alunos… Foi há muito tempo.

Ser mulher interferiu na sua carreira?

_Ser mulher não fez, no meu caso, diferença nenhuma. Nunca senti nenhuma discriminação. Acho que as pessoas progridem na carreira profissional por mérito. Não sou a favor de qualquer imposição nas administrações, porque acho que isso cria artificialidade. Só porque tem de ter um determinado número de mulheres, isso vai fazer que possam chegar ao topo mulheres que eventualmente não têm as competências devidas. Podem ter ou não. Quando me fazem entrevistas, essa questão é sempre colocada. Chegará o dia em que não vai ser mais assim, quando as mulheres estiverem em mais lugares de topo. Hoje nota-se, em qualquer reunião a que vou, que o número de presenças femininas é muito maior do que quando comecei, mas ainda assim extraordinariamente reduzido face ao número de presenças masculinas. Às vezes sou a única.

É engraçado, quando se pergunta a mulheres que estão no topo se gostavam de ter quotas, elas dizem sempre que não…

_Só porque acho que cria artificialidade. Recruto homens e mulheres. A abordagem da mulher, a liderança feminina, tem diferenças em relação à masculina, mas ambas são boas.

Quais foram as primeiras coisas que aprendeu sobre chocolate?

_A partir do momento em que entrei na fábrica, estava no mundo do chocolate, rodeada de pessoas mais antigas e experientes, que me foram passando a informação. Li muito. Comprei quase tudo o que havia de literatura estrangeira sobre chocolate, não apenas sobre a história como também sobre o processo de fabrico. Os ingredientes, a parte química. Esses livros ajudaram-me a compreender como se ligam os ingredientes, como é que a química de um leite com um certo tipo de fabrico influencia o sabor de um chocolate… Aí já não estamos a falar de chocolate, mas sim de leite, sobre o qual também tenho de saber muito. Tenho de saber muito sobre baunilha, ou vanilina, os aromas que se utilizam, tenho de saber de licor de cacau e pasta de cacau, qual a melhor origem para aquele chocolate, as diferenças entre as diversas favas de cacau. E aquilo que deu grande solidez à minha formação, nem eu sonhava a importância que teria e continua a ter na minha vida, nas decisões que tomo em termos demarketing e de gestão, foi o curso que tirei na melhor escola europeia de chocolates e de produtos de confeitaria. Aprendi de tudo, da pastilha elástica às bolachas, dos caramelos às gomas. Saí de lá a saber fabricar isso tudo. E fazia-os sozinha. Curiosamente, fui a melhor aluna do curso, com uma avaliação de 99,8 por cento no exame.

Havia especialistas de chocolate em Portugal?

_A cho que não. Não tive colegas portugueses no curso, eram todos estrangeiros. Ainda hoje me encontro com essas pessoas, muitas delas à frente de grandes empresas espalhadas por esse mundo fora.

Os portugueses são os que menos consomem chocolate na Europa, não é?

_É, cada português consome só 1,4 quilos de chocolate por ano. Sensivelmente 14 tabletes, se quiser… Não temos nos nossos hábitos culturais e gastronómicos consumir chocolates, como têm povos do Norte e Centro da Europa. Depois, o clima, que é mais quente. E tem que ver com o desenvolvimento económico. Onde é que nasce o chocolate? Na Suíça. Os países mais desenvolvidos são os maiores consumidores de chocolate. Os menos desenvolvidos sempre viram o chocolate como algo supérfluo, que não faz parte do seu cabaz de compras, porque não pode fazer… há outras prioridades… E desta forma estes povos habituaram-se a ver o chocolate quase como algo de oferta, como um pequeno luxo. Essa é também uma das razões para o fraco consumo de chocolate.

O que é que mudou no chocolate, desde essa altura em que entrou, até hoje?

_Mudou muita coisa…

As modas, as formas de fazer, as origens…

_As origens são as mesmas. As principais, com grande expressão a nível mundial, são Gana e Costa do Marfim. E depois há origens específicas, como Venezuela, Equador, a ilha de Java, São Tomé e Príncipe, coisas mais específicas, com uns flavours mais especiais, mas com níveis de produção muito inferiores. E há o Brasil. Na altura chegámos a importar do Brasil, que nessa altura exportava cacau. Entretanto, o Brasil cresceu muito, instalaram-se lá grandes fábricas de chocolates – nomeadamente a Nestlé -, e o país, embora tenha um consumo per capita muito baixo, tem grande dimensão. Eles também tiveram um problema muito grande, um bichinho que ataca o cacau, a vassoura-de-bruxa, que danificou imensas fazendas de cacau. Passaram então de país exportador para país importador.

O que mais mudou no mundo do chocolate?

_A s receitas, que passaram a levar ingredientes mais exóticos e sofisticados, passando pelas formas usadas para fazer os produtos, seja ao nível dos bombons ou das tabletes. A forma como comunicamos com o consumidor, muito mais exigente.

O que é que estava na moda quando começou?

_Produtos muito mais básicos, mais clássicos, as tabletes clássicas de leite, amêndoas, avelãs e uvas passas, por exemplo. O chocolate preto só representava trinta por cento do valor do chocolate de leite. Praticamente não tinha expressão no mundo do chocolate. E nessa altura era um chocolate preto com cerca de 55 por cento de cacau. Não me recordo de se falar sequer de um chocolate preto com 70 por cento, 85 ou 90 por cento de cacau. As pessoas modificam os gostos porque percecionam o produto de uma forma diferente. Hoje, de facto, as grandes tendências de mercado apontam para produtos de conveniência, com atributos funcionais, antioxidantes naturais, com cálcio, ferro, fósforo, magnésio, etc.; produtos sem açúcar, ou com elevado teor de fibras, ou elevado teor de cacau… Por outro lado, há uma grande tendência para produtos do Novo Mundo, ingredientes exóticos e sofisticados, pimentas, canela, especiarias, os sabores de maracujá… Produtos que façam bem à saúde são uma preocupação das pessoas. E já desde 2007 que vivemos uma grande crise económica e financeira e isso acaba por moldar as tendências de mercado.

O que é que mudou com a crise?

_Criou logo à partida novas tendências de mercado. Pela primeira vez em Portugal, valoriza-se aquilo que é nacional. Durante toda a minha juventude ouvi dizer que o que era importado é que era bom, sobretudo no chocolate. Era em Espanha, na Bélgica e na Suíça que comprávamos. Os espanhóis, que estão aqui ao lado, pensam ao contrário, o que é espanhol é que é bom. Porque é que em Espanha, sendo um mercado de proximidade, há tanta dificuldade de penetração dos produtos portugueses? Por causa disso. Os miúdos, desde a primária, aprendem que o bom é fabricado em Espanha. E quando crescem e são já decisores, de compras por exemplo, têm a mesma visão.

Quando ia a uma feira, ou quando estava a fazer o seu curso, dizia que era portuguesa?

_Nessa altura, de facto, ser português não era nada que nos trouxesse benefício. Entrei aqui em 1984, e dizer-se que o produto era português não nos beneficiava em nada. A partir de determinado momento, a questão já nem se colocava se era português ou não. Era um produto europeu. Isso fez a diferença quando entrámos para a Comunidade Económica Europeia. A Europa tem valores de tradição, cultura, sofisticação, qualidade e confiança, que todos os outros mercados gostariam de ter e que valorizam muito. No Brasil reconhecem a Jubileu como a «marca europeia de chocolates».

Que produtos desenvolveu nesse tal departamento de desenvolvimento?

_Quando entrei havia uma formulação Jubileu e um produto Jubileu, tinha três ou quatro variedades. Eu tive de reformular completamente o Jubileu. Depois também estive envolvida na parte do marketing , nas embalagens. Hoje a gama Jubileu tem seguramente muito mais produtos do que os que tinha na altura, que eram apenas cinco tabletes. Um dos produtos que me deram mais gozo fazer foi toda aquela linha de amêndoas e avelãs cobertas com chocolate Jubileu. Isso na altura não havia na empresa. Foi talvez dos primeiros produtos que produzi e que ganharam grande dimensão e expressão no volume de vendas da empresa. Mas ao longo do meu percurso fui desenvolvendo muitos outros produtos… Depois fiquei também responsável pelo departamento de qualidade, acumulei com a direção de investigação e desenvolvimento. Posteriormente, fiquei com a direção de exportação e de contract manufactory , ou seja, produzir para outras marcas sob os seus próprios requisitos e especificações. Isso permitiu-me conhecer o mundo. O mundo dos chocolates e dos consumidores. E os consumidores são muito diferentes de país para país, de mercado para mercado.

Por exemplo…

_Na China e no Japão gostam de chocolate negro e não apreciam chocolate muito doce. Em África é exatamente o contrário. Para o Japão, as embalagens devem ser pequenas. A pensar no mercado brasileiro, desenvolvemos o Juibleu Air, é um Jubileu «airificado», significa que para o mesmo volume tem muito menos quantidade de produto, transformando-se por isso num chocolate menos calórico, porque se ingere menos quantidade, havendo no entanto a sensação de se ingerir a mesma. Tem bolhas de ar, e resulta de uma nova tecnologia de inserção de ar no seio do chocolate.

Porquê?

_É óbvio. O Brasil é um país de sol e praia. Os brasileiros preocupam-se muito com a linha porque passam imenso tempo da vida de biquíni e fato de banho. Produtos sem açúcar, mais light , sempre foram produtos que eles apreciaram. Quando identificámos isso, percebemos que podia correr bem. Está a correr bem no Brasil, e outro mercado em que isso está a acontecer é a África do Sul. Os chocolates mais sofisticados, com 70 por cento de cacau e flor de sal, 85 por cento de cacau e com pepitas caramelizadas, por exemplo, vendem mais no estrangeiro do que em Portugal. Os produtos aromatizados são clássicos portugueses e da lusofonia. Em Angola e Moçambique vende-se muito bem. Mudou muita coisa com as redes sociais, hoje podemos perguntar diretamente aos consumidores que aromas querem que nós lancemos… Se for preciso, recebemos quarenta mil respostas. É uma coisa fantástica a forma como temos acesso ao consumidor.

Antigamente como é que fazia?

_Testes de mercado. Também falava muito com pessoas da família e amigos, colegas de trabalho. Todas estas pessoas que aqui vê a trabalhar, desde a secretária à telefonista, foram sujeitas a testes de mercado… Quem trabalha aqui gosta de chocolate.

Quando surgiu o convite para liderar a empresa, não recuou?

_Não… Fui entretanto desafiada por várias empresas, algumas noutros mercados, sobre algumas das quais ponderei seriamente porque me entusiasmaram muito, mas no final acabei por me manter na Imperial, por razões de caráter racional, emocional, tenho adoração por esta equipa e paixão pelo chocolate. A Imperial sempre foi uma empresa dinâmica e foi sempre crescendo.

Quando e como surgiu o convite para a liderança da empresa?

_A minha subida na empresa acabou por ser natural. Sempre fui uma pessoa com muito dinamismo, proatividade e vontade de aprender. Sou muito curiosa, e sempre obtive bons resultados. Aprendi muito com todas as pessoas que me acompanharam. Como fui passando por todas as áreas de processo de fabrico, isso deu-me um conhecimento invulgar. Em 2001 convidaram-me para ser CEO da empresa, naturalmente aceitei com muito gosto. Diria que foi uma subida quase natural, percebe? Nunca pensei muito nisso, para ser franca.

O que é que mudou aqui, a partir da sua liderança, por ser uma liderança feminina?

_Não posso responder-lhe assim..

Porque não?

risos ] Uma mulher é muito mais perfecionista, entrega-se de uma forma mais forte, tem uma intuição mais fina, a capacidade desempenhar muitas tarefas ao mesmo tempo, acaba por se tornar um bocadinho mais produtiva. A mulher tem uma capacidade de gerir pessoas e relações interpessoais e compreender melhor algumas singularidades do mundo dos negócios – porque vai mais ao pormenor – do que o homem tem. Isto no geral. Mas os homens têm outras caraterísticas que são mais vantajosas do que as das mulheres. Portanto, o que digo é que não é por ser homem ou mulher que se determina se a liderança é boa ou não. Mas para determinados lugares, como o de investigação e desenvolvimento, eu claramente preferia uma mulher.

Porquê?

_Porque é uma área de que tem uma componente de intuição, de marketing , de capacidade de entrega, de curiosidade, de pormenor, de perfecionismo, que normalmente a mulher tem mais desenvolvida do que o homem. No marketing tenho uma equipa equilibrada entre homens e mulheres, e acho que esse equilíbrio também é bom. Não discrimino as pessoas a não ser pelo mérito que têm. Mais nada. As pessoas têm de ser boas e provar que são boas. No passado a mulher nem tinha poder de escolha relativamente a uma série de áreas, estamos longe desses tempos. Uma das razões pelas quais entendo que não se vê muitas mulheres em lugares de topo é também por uma questão de opção. Não critico. Há mulheres que são muito boas, têm uma performance excelente no trabalho, mas têm como opção, por exemplo, dedicar determinado tempo da sua vida ao marido, aos filhos, a tarefas mais familiares. Para o fazerem, naturalmente que não têm a disponibilidade total que se exige a uma pessoa que quer chegar ao topo. Uma pessoa que está no topo de uma carreira tem de estar disponível 24 horas por dia. Eu tenho o telemóvel ligado 24 horas por dia, esteja ou não de férias. E não me custa. Já faço isso com naturalidade.

Acha que isso prejudicou o seu lado familiar?

_Não posso dizer que favoreceu, mas acho que consegui criar um equilíbrio, que tem sido sustentável ao longo do tempo, e que tem permitido gerir o lado pessoal e o profissional. Se não tivesse os dois bem resolvidos, seria difícil para mim.

Foi rigorosa nos dois? Ou seja, sentiu que precisou de impor as regras?

_Reconheço que para estar no lugar onde estou, pela minha forma de ser, pelo empenho, o entusiasmo e a energia que ponho nas coisas, dediquei muito do meu tempo à vida profissional. A vida familiar recebeu muito menos! Recordo-me de as minhas filhas dizerem, em pequenas, que eu era a única mãe que não ia buscá-las ao colégio. Ouvir aquilo, naquele momento, doía. Mas de facto não tinha essa disponibilidade. Hoje, já mais velhinhas, percebem que é uma questão de opção. Há mães que optam por uma vida mais doméstica, e têm imenso trabalho na mesma, e há outras que optam por estar numa situação intermédia, e há ainda outras que dedicam grande parte do seu tempo à vida profissional.

Isso vem da sua formação de casa?

_Os meus pais já eram assim, são valores que já nos passaram. Tem que ver com um valor muito importante que se chama responsabilidade. Quando temos um trabalho, um projeto, temos de o agarrar. O projeto é meu, sou eu que tenho de o levar até ao fim, não importa se tenho chefes acima de mim. Sou eu que tenho de fazer que se concretize. Nos estudos eu já era assim, tive uma vida académica com boas classificações porque me dedicava, e não por ser mais ou menos inteligente do que os outros. Costumo resumir tudo a uma questão de atitude. Nesta empresa, uma das expressões que mais uso é «o que propõe?». Quando alguém vem falar comigo e trazer-me um problema, ou contar uma situação, é isso que digo. Essa pessoa tem a obrigação e a responsabilidade de encontrar soluções. Se não consegue, é óbvio que estou eu aqui, ou outras pessoas, para a apoiar. Mas tem essa responsabilidade. Não tem de me trazer problemas, tem de me trazer soluções para esses problemas, por mais que essas soluções possam não funcionar.

Qual a importância do sucesso para si?

_É muito importante alcançar os objetivos, em qualquer projeto em que me envolva. Nesse sentido, o sucesso é importante. Envolvo-me muito, às vezes demasiado, para conseguir esses objetivos com que me comprometi. Dou tudo. O enfoque nos resultados é essencial para mim.

E agora qual é o desafio?

_Conseguir que a Imperial cresça para um patamar completamente diferente daquele em que hoje está. Temos de crescer para o dobro, para o triplo… Não sei…

Em quantos países estão até agora?

_Neste momento ultrapassámos os quarenta países.

Sente hoje alguma consequência negativa do facto de estar em Portugal?

_Se estivesse em Espanha, garanto-lhe que vendíamos quatro vezes mais. Não tenho dúvidas.

E nunca vos passou pela cabeça sair, ir para fora?

_Já tivemos oportunidades de adquirir empresas noutros mercados, mas isso não significaria acabar com esta plataforma aqui.

Porquê?

_Não faria sentido. Nós somos capazes, estamos num ponto geográfico com vantagens logísticas. Estamos mais perto para vender para África, para a América Latina. Podemos fazer uma ponte. Seja por questões logísticas ou da língua, temos vantagens relativamente a outros países do Centro ou Norte da Europa. Acho que daqui podemos chegar a muito lado.

E esta crise não está a fazer que essa situação seja colocada?

_Não. Os últimos dois anos foram os melhores de sempre da Imperial. Em 2012 crescemos 13 por cento no mercado interno – e o mercado interno só cresceu 1,5 por cento -, e 17 por cento no mercado externo. O crescimento nos resultados económicos foi superior a 30 ou 40 por cento.

Às vezes não lhe apetecia estar numa dessas mecas do chocolate, Bélgica, Suíça…

_Não, não me apetecia. Dá-me um gozo enorme dizer que vendo chocolates para a Suíça. Ainda há pouco fechámos um novo importador. E não é para o mercado étnico, o mercado da saudade, vou vender chocolates para as grandes cadeias de distribuição na Suíça. Dá-me orgulho dizer que vendo chocolates para a Suíça, porque os nossos chocolates têm uma qualidade extraordinária.

Que importância teve na vida da Imperial, e na sua vida, o facto de estar aqui no Norte, em Vila do Conde?

_O meu recurso mais escasso é o tempo. Estou muito tempo fora. Participo em muitas reuniões de análise e tomada de decisões, em projetos, investimentos, novas estruturas, planos de negócio, reuniões com clientes, novos produtos, enfim… E o poder de decisão sobre tudo o que é feito em Portugal está centralizado em Lisboa. Tudo. T odas as reuniões de que tenho necessidade, com clientes, professores, universidades, associações, está tudo sediado em Lisboa.

Aceita isso…

_Com naturalidade… Do Porto a Lisboa faz-se em meia hora de avião. Se for de carro é duas horas e meia, não é grave. Mas que nos rouba tempo, lá isso rouba… E tempo é dinheiro, não é? Se me pergunta se defendo que devia haver uma descentralização de forma a que o Porto tivesse outra força, isso defendo. Isso fortaleceria o Porto e o Porto precisa disso. As grandes indústrias estão no Porto, a maior parte dos empresários estão no Porto, alguns dos mais ricos do país são do Porto. Acho que o Norte já devia ter uma força que hoje não tem, porque o poder continua centralizado. E o poder é todo ele, o poder político, o local, a concentração de clientes, dos grandes meios científicos, das associações, de tudo…

A culpa é de Lisboa ou do Porto?

_A ser é de Lisboa… Enfim, nem sei se estou a dar-lhe uma resposta correta, porque se o Porto não foi capaz de o conseguir, no fundo temos alguma responsabilidade. Será de Lisboa por uma razão, porque se fecha e protege; mas será também do Porto, que nunca teve gente com força suficiente para conseguir que a situação mudasse.

Por Catarina Carvalho in http://www.jn.pt/revistas/nm/

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