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Manuel Moreira ressuscitou na morgue

Manuel Moreira ressuscitou na morgue

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NASCIDO em Navais, Póvoa de Varzim, em 1948, Manuel Moreira vive em Aver-o-Mar. Filho de agricultores, fez a 4ª classe entre o campo e a escola. E aos 12 anos foi aprender uma arte na construção cívil: “quando saía das obras ainda ia trabalhar para o campo até à meia-noite. A lua fazia de candeeiro. Levava meia sardinha no bolso e um bocado de pão milho. Antigamente partia-se a sardinha em três e ninguém queria a parte da cabeça”.

Entre o campo e a tábua do barro, Manuel Moreira casou com Maria Eugénia Magalhães. Nascia o segundo filho quando fez as malas para embarcar para o Ultramar: “só tive tempo de ver que era um menino. Fui mobilizado para Moçambique no dia 25 de Abril de 1970. Curiosamente, quatro anos depois aprontava-me para regressar, mas os voos foram cancelados. A revolução dos cravos só me permitiu voltar 15 dias depois”.

O antigo combatente era condutor em colunas de abastecimento e de operações em Niassa, uma zona considerada perigosa pelos constantes ataques da guerrilha. “As colunas militares transportavam negros para as povoações por onde passavam. Serviam de escudo para não sofrermos ataques. Alguns perguntavam quando voltávamos a passar. Nesses intervalos, os guerrilheiros eram informados por alguns destes passageiros e colocavam as minas”.

Numa das incursões pelo mato, Manuel Moreira recorda a emboscada onde acabou ferido com gravidade. “Um morteiro rebentou bem perto da viatura que eu conduzia. As balas perfuraram a chapa, as minhas costas e os membros dos meus companheiros. Procuramos o refúgio nos pneus e retaliamos o inimigo que se pôs em fuga. Ligadas as feridas, ainda desactivamos minas, no regresso ao quartel”.

Com uma bala alojada num pulmão, Manuel Moreira foi dado como morto. “Na avioneta para o hospital de Vila Cabral, terei desmaiado. Quando acordei estava nu numa morgue, deitado numa pedra-mármore e embrulhado num lençol, junto a outros cadáveres. Salvei-me porque os frigoríficos estavam cheios. Levantei-me e vejo um guarda a fugir porta fora, em direcção a um alferes. Incrédulos, levaram-me para um hospital civil em Lourenço Marques. Ali fiquei abandonado numa cama, quase um mês, a ver outros a morrer.

Exigi que me levassem para um hospital militar, onde me foi diagnosticado ferimento na coluna e três costelas partidas pela perfuração da bala, que se alojou no pulmão”.

Recuperado dos ferimentos, o antigo combatente recorda como evitou regressar ao palco de guerra, onde tinha passado ano e meio: “queriam mandar-me novamente para o mato. Mas no dia que ia fazer exames médicos para me darem alta, fui à cantina e enchi a barriga de azeitonas pretas e inteiras. O exame acusou problemas graves no estômago e safei-me. Fiquei mais 30 dias em recuperação e passei para o quadro de serviços auxiliares”.

Mas se a guerra tinha sido muito dura, também não foi fácil o regresso à vida em terreno de paz, como recorda Manuel Moreira: “os meus filhos só me conheciam por fotografia. Quando a minha mulher mostrava fotos minhas, o mais novo dizia que tinha muitos pais. Voltei para a construção civil, mas as recordações não me largavam.

Emigrei para a Arábia Saudita mas só aguentei três meses. Era tempo de viver em família e tentar esquecer o impossível. Os mais de cinco anos de tropa deixaram-me marcas físicas e traumas para sempre. A saúde continua a fazer-me emboscadas, mas tenho sobrevivido”.

Publicado in A VOZ DA PÓVOA

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