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O filme da vida de Fernando Marques

O filme da vida de Fernando Marques

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FERNANDO Manuel Marques nasceu em Tomar há 90 anos, mas vive na Póvoa de Varzim há meio século, desde quando para cá veio trabalhar como projecionista de cinema. Foi casado 62 anos com Julieta Tavares da Silva, que lhe deu uma filha. Agora viúvo, Fernando Manuel vive na Santa Casa da Misericórdia. Era um adolescente quando partiu para Lisboa, para trabalhar como aprendiz de serralheiro.

Depois de várias profissões e cidades, fixou-se na Póvoa graças ao cinema. Fui para a capital viver para casa de uma tia e aprender a arte de serralheiro mecânico. Moço feito, fui trabalhar para a Feira Popular onde fazia anúncios publicitários. Aprendi a montar e a projectar filmes e anúncios. Mais tarde trabalhei cerca de um ano no cinema Lis, em Lisboa. Já casado, vim para Barcelos com um tio tenente da GNR. Depois arranjei trabalho na serralharia da Fábrica Delfim Ferreira, em Vila do Conde e acabei a viver na Póvoa. Convidado por um amigo, comecei a projectar filmes no Cine Neiva. Como gostava muito da Póvoa arranjei trabalho no Póvoa Cine, a ganhar 1200$00 por mês (6 euros) e passei a trabalhar só em cinema. Como a gerência do Garrett tomou conta das duas salas, passei para o Garrett”.

No tempo da ditadura, Fernando Marques recorda-se da projecção de um documentário polémico visto por Salazar. “Era um documentário sobre a política regime, e a censura tinha dúvidas se deveria ser exibido. O Salazar estava na Póvoa de Varzim, numa das suas visitas a uma namorada poveira, e foi disfarçado ao cinema Garrett. Projectamos a parte que deixou mais dúvidas à censura. Eu só soube da sua presença porque o gerente Geraldo avisou-me. O Salazar acabou por autorizar que montássemos o documentário todo”.

A vida de projeccionista nem sempre era fácil, reconhece Fernando Marques: “por vezes tínhamos avarias a meio do filme e os espectadores reclamavam imenso. Se a fita rebentasse era rapidamente emendada com uma máquina de agrafar. Quando o problema era técnico, se não conseguíamos consertar, a máquina tinha que ir para a casa Soler, no Porto, e devolvia-se o dinheiro do bilhete. Uma vez, a lanterna de projectar foi abaixo. Como o filme era muito bom, os espectadores esperaram pelo arranjo. Reparei a avaria e desci à plateia para informar que já se podia ver o filme. O público aplaudiu de pé. Nesse tempo, as fitas de Cowboys e de Karaté esgotavam as salas, mas a grande loucura era os filmes indianos. Dois dias antes a lotação estava esgotada. Nos momentos áureos das casas de cinema, projectava filmes à tarde e à noite. E depois da meia-noite, havia filmes para adultos que esgotavam quase sempre. As salas eram todas da mesma gerência, cheguei a ser o responsável pela projecção no Cine Neiva, Povoa Cine e Cine Teatro Garrett”.

Fernando Marques recorda como chegavam os filmes e o trabalho que davam a montar. “Cada filme vinha dividido em quatro ou cinco bobines. A montagem era feita com uma cola especial para unir as fitas. No final das projecções, tínhamos que separar novamente as fitas para voltar ao mesmo número de bobines. Também cheguei a projectar filmes de 16 milímetros, curtas-metragens. Ia pelas aldeias, para as juntas de freguesia, ou uma sala inventada, projectar os filmes. Ainda ganhei umas coroas a fazer isso”. E conclui: “trabalhei até o Garrett fechar. Tinha mais de 70 anos. Gostava muito de cinema e tinha muito gosto pela projecção. Era um bom projeccionista. Quem gosta do que faz acaba por se tornar artista”.

Publicado in A VOZ DA PÓVOA

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