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Ruth Rodrigues: a professora vermelha

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RUTH Branco Rodrigues vive na Póvoa de Varzim mas nasceu em Couto de Dornelas, concelho de Boticas, em 1942. Licenciada em Filologia Românica, leccionou no ensino secundário em várias escolas do país. Logo após o estágio foi convocada para a Telescola, programação produzida nos estúdios da Radiotelevisão Portuguesa do Monte da Virgem, em Gaia. “Foram seis anos muito gratificantes, três antes e três depois do 25 de Abril. As aulas eram um quebra-cabeças para a PIDE. Como eram em directo, tínhamos que entregar o guião das aulas, um mês antes. Numa aula de iniciação à poesia, eu escolhi “descalça vai para a fonte”, um poema de Camões cantado por Zeca Afonso. Pedi ao realizador António Cardoso para passar o disco. Foi uma afronta para o regime porque era proibido passar o Zeca em televisão ou rádio. O director da RTP de Lisboa protestou comigo ao telefone, mas acabou por ceder às razões apresentadas pelo nosso director António Gomes, que exigia qualidade de ensino. A importância da telescola era servir as zonas rurais mais isoladas, permitindo aos alunos fazer a escolaridade obrigatória. A Primária e o Ciclo Preparatório. Havia terras onde o único televisor era aquele. Ao fim de semana as pessoas iam ver futebol para a escola”.

A infância de Ruth Branco foi passada em Boticas. “A minha mãe era professora primária e ia de burro dar aulas à aldeia de Couto Dornelas. Após a morte súbita do meu pai com 32 anos, a minha mãe não quis ficar mais em Boticas. A minha avó, que era mulher de armas e professora na Póvoa, trocou com ela. Por dificuldades económicas, viemos viver para a Escola dos Sininhos que tinha duas casinhas. O delegado escolar morava numa. Eu tinha sete anos e o meu irmão tinha quatro. A minha mãe trabalhava imenso. De manhã dava aulas na escola do Desterro, à tarde explicações e à noite o curso de adultos. Fiz a primária e o liceu na Póvoa. Depois fui para Coimbra. Penso que o meu carácter, independência e sentido de liberdade, foram herdados da minha mãe e da minha avó”.

As primeiras intervenções contra o fascismo foram em Coimbra. “Por questões económicas fui para uma casa da Mocidade Portuguesa, onde cheguei a chefe de bandeira. Pouco tempo depois fui expulsa devido à minha envolvência na vida académica. As crises académicas foram uma constante entre 1960 e 1969. Eram lutas contra o governo de Salazar. Tínhamos uma acção colectiva. Não havia aulas nem exames, passávamos o dia dentro da Associação Académica de Coimbra. O refeitório virou sala de comícios, mas também se fazia num jardim sitiado de polícias. Não havia discos, mas todos os estudantes sabiam cantar as canções do Zeca e do Adriano. A GNR a cavalo fazia o cerco à escadaria monumental, empurrando os estudantes dum lado para o outro, com porrada pelo meio, o dia todo”. E acrescenta: “na última crise académica, estava a fazer as pedagógicas na Escola Ramalho Ortigão, no Porto, e tive um processo disciplinar por ter distribuído um documento reivindicativo. Fui inquirida e pressionada pela PIDE durante um ano”. E conclui: “há uma tradição na família de mulheres democratas e professoras. A minha avó Rita era a filha mais velha do Zé das Letras e foi a primeira rapariga a inscrever-se no Liceu da Póvoa de Varzim”.

Ruth Branco deixou o ensino oficial há dez anos: “estava já aposentada quando dei aulas gratuitamente a alunos estrangeiros de várias nacionalidades”. Com os dias por sua conta continua atenta ao ensino e compara: “com a revolução tudo mudou. A expansão do ensino foi brutal. A qualidade dos professores não diminuiu, a estrutura actual é que os está a colocar de rastos. O poder sabe que o povo inculto é facilmente manipulável”.

Publicado in A VOZ DA PÓVOA

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