HÁ desafios que se nos colocam diante dos olhos que não deixam grandes alternativas de escolha: ou os abraçamos ou os abandonamos. Refiro-me a este livro como um deles. Não porque fosse importante escrevê-lo porque quisesse publicar; antes, quis fazê-lo na perspectiva de um exercício e do tal desafio. Estive cerca de vinte anos sem escrever. Hoje tenho 44 anos, terminei o Trilho de Lobos em 2010, e saiu agora porque, entretanto, o enviei para a editora e tudo o resto se seguiu. Com quinze anos escrevi um pequeno livro. Hoje não sei dele. Porém, é essa semente que me impulsiona para diante, como um vírus que nos contagia e depois não sai mais; vai-nos lembrando, no tempo, que o possuímos.
Em 1987, escrevi um livro, não tinha ainda 20 anos, com que participei em dois “Encontros de poetas e prosadores”, que resultaram em duas antologias, em Marco de Canaveses de onde sou natural. Não o publiquei. O que fiz com ele terá, eventualmente, suscitado esta ausência da escrita por longo tempo.
Porquê?
Talvez porque criei expectativas altas.
Explico: a minha avó materna, que faleceu com 105 anos, dizia desde sempre, ser prima de Agustina Bessa-Luis. Sendo um ícone da literatura, e sendo “minha prima” por parte da avó, enchi-me de coragem e enviei-lhe o livro por correio para o jornal “ O Comércio do Porto”, que já não existe, do qual ela era directora.
Se, ao menos, a Agustina me enviasse alguma carta dizendo o quer que fosse, acho que me sentiria reconfortado. Não. Nunca chegou nada. Acho que fiquei reduzido a um mero sonho de escritor, desencorajado. Não a culpo. Pode ser que nem lhe tenha chegado às mãos o dito livro. O problema é que na cabeça de um jovem, encolhido entre as serras onde nada se passava, essa luz seria para mim fundamental.
Quis o destino que a minha vida profissional se encaminhasse pela área das vendas. Sou chefe de vendas de automóveis e formador. Na formação, escrevi dezenas de manuais que, no total, ultrapassará as 1500 páginas. Escrevi artigos técnicos para jornal e hoje escrevo-os para o jornal da minha empresa.
Chegado aqui, pergunto-me ás vezes, como pode alguém que vive embrulhado num stress fulgurante, uma vida profissional onde à minha volta outros colegas cedem a AVC´s e outras coisas que tais, ter calma e discernimento para escrever? Pois a resposta, encontrei-a com este livro. Escrever acalma-me, faz-me bem, liberta-me. É interessante viver a criação de uma história, dar-lhe sentido, criar as personagens e com elas privar, darmos formas aos locais e ao tempo, reflectir sobre coisas diversas que, de outra fora, nos passariam ao lado. E como é bom sofrer para escrever um livro! Sofrimento, sim. Quem pensar que é fácil, desengane-se. Mas é fantástico quando sentimos que criamos uma espécie de mundo paralelo. O livro! Esse mundo paralelo onde penetramos para lhe dar forma.
Recordo que não escrevi Trilho de Lobos com intenção de publicar. O meu objectivo era oferecê-lo como quem oferece uma rosa ou outra coisa qualquer com forte intuito sentimental. Não fora, alguma pressão exterior e ficaria na gaveta, sem qualquer desconforto meu.
Agora, editado e já a circular pelas mãos de algumas centenas de leitores, sinto-me fascinado, mesmo que nada mais dele resulte, por algumas reacções chegadas: por exemplo, aquela jovem que o adquiriu na noite do pré-lançamento e leu as 296 páginas de um trago só terminado ao fim da manhã seguinte. Ou aquela senhora com cerca de 60 anos que nunca tinha lido qualquer livro na sua vida e estava radiante por ter descoberto um novo prazer, o da leitura, ou aquela outra que todos os dias se levantava às 4 horas da madrugada para ir trabalhar e mandou dizer-me que era custoso ter de fechar o livro, por tinha de dormir cedo e esperar pela noite seguinte para continuar a beber o enredo; ou, aquele que no fim de o ler não teve um sono fácil porque sonhou toda a noite com a história; ou aquele que…e por aí fora. Peço desculpa, por esta espécie de vaidade; é que quando alguém gosta daquilo que escreve sente uma forte energia positiva.
Trilho de Lobos é um romance, uma ficção, com laivos de factos verídicos.
A quem o ler desejo, sinceramente, que tenha valido a pena adquiri-lo.
Por Carlos Queiróz publicado in O tempo entre os meus livros