OS poemas de João Manuel Ribeiro que compõem o livro “Amo-te” andaram na sacola e no coração de muitos alunos, que os leram, releram e teceram observações e comentários de vária índole com o intuito de tornar o livro saboroso e apetecível aos jovens leitores. O que foi alcançado, pois a obra esgotou e está para sair a 2.ª edição. Ora nós voltamos a fazer o mesmo, lemos e relemos os poemas para gritar ao coração e selecionamos alguns desabafos do autor para os devolver àquele em forma de questão. As respostas chegaram no mesmo tom: poético.
Por Paulo Moreira Lopes e fotografia de Augusto Baptista
Escreveu poemas para gritar ao coração porque o coração dela ouve mal?
Não! Escrevi porque, às vezes, o coração, como o amor, é cego e surdo. Ou faz-se!
Se viajar é quase sempre partir para ficar, tal significa que costuma fazer férias cá dentro?
Cá dentro ou lá fora, o importante é partir, ou seja, não se aquietar, não se resignar; partir a loiça, de alguma maneira.
Se ela está atravessada nos seus dias como consegue chegar ao futuro?
Não sou eu que chego ao futuro, ele é que se esforça por me agarrar, mas eu chego sempre tarde.
Se a sede cresce para o chão, quer dizer que nasce no céu?
Pode ser! Qualquer lugar é bom para ser fonte!
Se é capaz de pressentir a alegria que mora nela é porque ela tem a morada aberta?
A alegria raramente fecha portas! A alegria é uma morada aberta! A alegria vive paredes meias com o amor!
Explique-nos como se apaga um incêndio de água?
Não se apaga! Esse é um incêndio que só existe dentro do poema! Que só o poema faz! É o incêndio de água do poema!
Enaltece tanto as virtudes do amor, mas depois diz que tem medo do amor. Será que sofre de bipolaridade?
Seguramente! Esse é um dos seus sintomas e efeitos! O amor é um avassalador paradoxo. Os poetas são, talvez, quem melhor capta esta tensão ou demência!
Por aquilo que sei, mora na fúria das marés. Quando o mar está calmo mora onde?
No mar! A enfurecer as marés…
Consegue guardar um vendaval nas meninas dos olhos sem lhe entrar ciscos?
Sim! Um vendaval é, como a palavra sugere, um aval à venda nos olhos! É cegueira voluntária e assumida! Assim mesmo!
Sabe, por acaso, quem ata o vento? Serão os pássaros, os cavalos, as árvores ou os moinhos de vento?
Na verdade, não! Mas sei quanto custa! Disse-mo o Ruy Belo. E bem vistas as coisas, trocados os escudos por euros e somada a inflação, não é nada barato. Será mesmo melhor atá-lo. Alguém se oferece?
Confessou que não sabe ler a mudez dela. Já pensou em aumentar-lhe o volume?
Não resulta! A mudez está muito para além do silêncio! E tem uma caligrafia indecifrável (e soberbamente linda)!
Quando anda carregado de pressa, anda mais devagar por causa do peso da pressa?
Sim, qual Sísifo, castigado pelo tempo!
Costuma traçar o risco do horizonte com régua e esquadro ou prefere o desenho de mão livre?
O meu sujeito poético não tem tais privilégios! Apenas obedece ao horizonte! É ele que se risca nos meus olhos!
Quem anda nas vielas do seu pranto fica com os lábios a saber a mar?
A saber amar, não! A saber a mar? Talvez! Depende da fundura da imaginação poética!
Disse que com ela aprendeu a contramão. E o contrapé e a contraluz, aprendeu com quem?
Com ela – e nela –, seguramente!
Há cura para o coração fatiado?
Sei lá! As metáforas, de quando em vez, desprendem-se do pensamento e abrigam-se em nenhures!
Se os olhos são a bússola das mãos, quando abraça alguém quer dizer que encontrou o norte?
O abraço é, quase sempre, um lugar seguro, onde se encontra qualquer estrela polar.
Quando lava os poemas estremunhados com os olhos apetece-lhe chorar?
Sim! Só raramente o poema não é uma comoção! O poema é, notoriamente, a obsessão pelo detalhe, pela minúcia, pela lentidão do olhar! Tanto que faz doer, chorar!
Tricotei-a os anjos com agulhas clássicas, de duas pontas, circulares ou flexíveis?
Com palavras! Este é, aliás, o único lugar onde os anjos existem e se deixam tricotar!
Como reagem os dias quando são arranhados?
Como os gatos e as suas sete vidas! Eriçam-se, espetam a unha, e passam adiante!
Se o silêncio é liso o ruído será rico?
Rico? Por artes e manigâncias de quem? Da CMVM? Do Banco de Portugal? No pé em que as coisas estão…
As palavras breves são aquelas que se escrevem e se dizem depressa?
Palavras breves são aquelas que, mesmo sendo grandes ou demorando muito a dizer-se, não crescem dentro de nós. Como o orvalho da manhã!
Soletra afagos para ela os entender melhor?
Um afago soletrado tem efeitos de longa duração, sem dúvida!
Quando passa à porta dela a pé põe-se a assobiar?
Se a vir à janela, sim! E aceno-lhe! E mando-lhe beijos “repenicados”…
Um poema mudo escreve-se com gestos?
Com palavras mudas! Com gestos quedos!
Se ela é um país de mel, o João Manuel Ribeiro será o quê?
Um abelhão, obviamente!
Por último, os poemas em que se senta são firmes?
Não! A fragilidade é inerente ao poema! E não é um trono, mas um trapézio em que abundam os riscos!
Publicado originalmente em 18 de Novembro de 2014