APESAR do tema não ser muito pacífico, já se sabia da elasticidade quase infinita da Rua da Estrada e da sua rapidez e adaptabilidade face a imprevistos. Por isso tantas coisas e funcionalidades coexistem.
Existem normalmente duas teorias para tentar resolver o assunto:
– uma, vinda directamente dos deslumbramentos da racionalidade moderna, diz que todas as vias devem ser especializadas e desenhadas de acordo com usos perfeitamente tipificados, desde os carris do TGV, às pistas cicláveis pintadas de vermelho. Nem pensar em pôr skates nas auto-estradas, camiões nas avenidas, peões no asfalto, ou asfalto na sopa;
– outra diz, por exemplo, que não há magia nas ruas se tudo não se misturar com tudo, fluído como um bailado, peões, passeios, esplanadas, camiões, bicicletas, drones, cães danados e crianças angélicas. Além disso, as ruas terão árvores, paragens de autocarro, bancas de comércio ambulante, candeeiros e floreiras penduradas nos postes, e luzes no Natal.
Há de tudo isto em combinações infinitas, excepto o asfalto na sopa que foi uma pequena alucinação gastronómica.
O que não havia era aviões em voo rasante e em claríssima rota de colisão com os automóveis espavoridos a fugir da pista. Haja alguém que ponha um viaduto ao correr da estrada alinhado a oito metros sobre o eixo da via, ou esta cena aeronáutica em Pescara ainda dá mau resultado. Digo eu…
SOBRE O AUTOR: Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.
Texto publicado originalmente em 9 de Dezembro de 2015