QUANDO Ramses II andava concentrado na fiscalização da obra da Sala Hipostila do templo de Karnak, não se lhe deve ter ocorrido que alguma vez, dali a mais de 3 200 anos, lhe pudesse passar a Rua da Estrada por dentro e aeronaves por cima. É verdade que então já o homem andava bastante avariado. Desde que o ligaram a Moisés e tudo foi divulgado a cores e em grande formato nos filmes do Bosque Sagrado em cinemascope, nada correu bem a este faraó conhecido pelas suas obras – as obras faraónicas. Moisés ameaçava-o com um deus justiceiro e insistia em viajar com o seu povo escravizado pelos egípcios, obrigado a trabalhos duros nas obras, no fabrico dos tijolos e na lavoura dos campos do Nilo. Por isso se decidiram todos pelo êxodo rural. O faraó não deixava, com medo de ficar sem mão-de-obra barata e com a economia exposta às pragas dos mercados que lhe caíram em cima em número de dez, desde as águas ensanguentadas do Nilo, ao granizo, às moscas, piolhos, rãs, gafanhotos, trevas e mortandade de primogénitos e ainda faltam duas.

Aflito com estes excessos de desastres (sobre)naturais, biodiversidade a mais, alterações climáticas, quebra de natalidade e escuredo intermitente, Ramsés II lá se resolveu a deixar sair Moisés e o seu povo em grande velocidade para as Terras de Canaã por uma estrada nova acabada de fazer. E pronto.

Vistas bem as coisas, o resultado não foi muito bom porque a Terra de Canaã também já estava com dono e assim começaram outras pragas, pedras pelo ar, mísseis, colonatos, bombas, muros, arame farpado e metralha. Se os deuses e os faraós só servem para reclamar templos, salas hipostilas, e guerras mais ou menos santas, mais valera que se distraíssem com outras coisas como carrosséis, barracas de tiros, carrinhos de choque, montanhas russas ou comboios-fantasma. Ficavam as salas hipostilas mais animadas e o povo muito mais sereno sem ter que andar sempre a fugir de um lado para o outro.

Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da EstradaVida no Campo, Volta a Portugal Paisagens Transgénicas.

Publicado originalmente em 22 de Janeiro de 2016

 

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada

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