O MAIS internacional dos poetas visuais portugueses da atualidade, Fernando Aguiar, aceitou o nosso desafio em contrapor ou reiterar afirmações e versos seus entretanto publicados. Das respostas ficamos a saber que o autor não tem dúvidas que se Camões fosse vivo seria um poeta visual. E que, malgrado se defender que a poesia visual portuguesa foi um ar que se lhe deu, o poeta continua a fazê-la. Aliás, diz que sempre gostou de criar coisas que não existem. Conta que se sente cada vez mais só em Portugal. A batalha é inglória, mas lutará até ao fim, garante.

Por Paulo Moreira Lopes

Diz que é impossível não entender o poema quando se leva com os versos na cara. E quando ficamos atarantados com o embate, também o entendemos?

Claro, e da pior maneira…

Um tudo nada pode ser muito pouco?

Muito pouco é sempre um tudo nada.

A sua poesia ou se gosta ou não se gosta?

Eu diria que ou não se gosta ou se gosta. Mas também se pode gostar assim assim.

Na sua obra Soneto Ecológico, a páginas desfolhadas, na linha da mão, onde se lê caduca, deve ler-se o quê?

Perene, obviamente.

Quem passa pelo Soneto Ecológico inspira o quê?

Conceptual Poetry.

Escreveu a problemática da dificuldade quando lhe faltou a inspiração?

Por acaso não foi, mas poderia ter sido. Ou não o teria sido, porque esse poema até é inspirado. Em quê, já não me lembro, mas é-o, sem dúvida.

A criação poética tem ALTOS e baixos?

Na verdade tem mais baixos que altos, mas a vida é mesmo assim…

Se pensa assado os versos saem queimados?

O que acontece quase sempre.

Já escreveu algum poema irrado?

Irrados, muitos, i(r)rado, é muito raro.

Também defende que o poema principia no fim, como escrevia Luís Veiga Leitão?

Ou no meio, tanto faz. No caso da poesia experimental, acontece muitas vezes, quanto à poesia visual, nem sempre principia, nem sempre tem fim…

Para quando sai o resultado final do ensaio n.º 204?

Já saiu, só que não o vimos.

É com frequência que deseja que o que foi volte a ser?

Infelizmente, muitas vezes, embora nem sempre o que voltasse a ser fosse o que se desejasse…

Como se quebra um poema em caso de emergência?

Rasgando a página e amachucando-a bem, se o papel for de gramagem fina. Até 80 gr., por exemplo.

Há males que terminam em bem?

Há malas que vão e vêm, ou que em vão, vêm. Ou que em vão, vão. Em todo o caso, raramente ficam.

Já encontrou os olhos que o nosso olhar não vê?

Sempre lá estiveram: são o cérebro.

Mantém que a paixão não tarda a voltar e o encanto não tarda a florir?

Eu disse uma pirosice dessas???

Por ter trabalhado tantos anos numa terra de ninguém não acha que já a adquiriu por usucapião?

Nunca tinha pensado nisso, mas acho uma excelente ideia. Gostava de ter uma terra, e para a terra também seria bom, porque a partir do momento em que fosse minha, já seria de alguém. E a palavra usucapião, apesar de pouco poética, não deixa de ser interessante. Menos interessante será uma terra de ninguém, mas a solo dado não se olha à sola…

A poesia visual portuguesa foi um ar que se lhe deu?

Há quem diga que sim. Mas apesar de não existir, continuo a fazê-la. Sempre gostei de criar coisas que não existem.

Num país de líricos quem tem olho é visual?

Definitivamente.

Enquanto poeta visual sente-se tão-só em Portugal?

Cada vez mais. A batalha é inglória, mas lutarei até ao fim. Principalmente considerando que isso possa ser um princípio, como diria Luís Veiga Leitão.

Ainda continua sufocante o clima poético em Portugal?

Sempre o foi, sempre (o) é, sempre o será (foi Fernando Pessoa que disse isto?)

A poesia é um inutensílio?

Toda a arte é um inutensílio, excepto a que dá dinheiro. Os marchands e a Joana Vasconcelos que o digam.

Não é assim tão difícil colocar umas metáforas a seguir às outras e chamar-lhe poesia. Pois não?

Não. É por isso que toda a gente o faz. Inclusive os poetas.

Quem tem amores platónicos ou desventuras amorosas para carpir, em vez de publicar poesia não deveria ir a um psicólogo?

Claro, e até é capaz de sair mais barato. (Sempre a economia a intrometer-se em tudo…)

Se o corpo é um poema em movimento, quer dizer que em vez de caminhar estamos a versejar?

Isso cheira a performance. Ou talvez a intervenção. Ou quem sabe, a acção poética.

Também é da opinião de que aquilo que o acordo ortográfico diz não se escreve?

Essa, acho que fui eu que escrevi. Mas o Fernando Pessoa poderia tê-lo dito. E o Luís Veiga Leitão estaria, igualmente, de acordo.

Camões se fosse vivo seria um poeta visual?

Não tenho dúvidas, o que seria ótimo. Era como ter o Eusébio a jogar na nossa equipa!

Publicado originalmente em 27 de janeiro de 2016

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2 COMENTÁRIOS

  1. Sutil e descontraída entrevista com o Fernando Aguiar. Sem dúvida um dos grandes nomes do Poema Visual e da Poesia Experimental no mundo. Portugal está muito bem representado tendo Fernando Aguiar como um dos expoentes da cultura lusitana.

  2. A poesia portuguesa é bem fortalecida através da produção dos “Fernandos”.
    O Aguiar, com sua poética visual vem rodando o mundo, esteve em Montes Claros-MG, participando do Salão Nacional de Poesia Psiu Poético algumas vezes. Ele é realmente 01 parceiro, na permanente busca pela invenção na linguagem. E viva a poesia viva !

    Aroldo Pereira
    Autor de cinema bumerangue & parangolivro

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