ANTES do porto de Leixões, o rio Douro era o porto do Porto e essa função portuária estava embebida até ao osso dos edifícios, muros, ruas ou praças do velho burgo. Veja-se o “Douro Faina Fluvial” do eterno Manoel de Oliveira, e procure-se sentir essa presença, desde as pedras da calçada, aos cais, ao Muro dos Bacalhoeiros, à Alfândega, à Praça da Ribeira feita parque de estacionamento e zona de carga de camiões e carros e de bois; procurem-se numa e noutra marginal os armazéns, as fábricas, os nomes: do Cais das Pedras ao Cais da Estiva ou do Ouro.
Mudaram-se as cargas e os navios e a função portuária passou para a embocadura do Leça. O rio Douro deixou de ser o porto do Porto e o porto de Leixões foi durante décadas um “equipamento” quase fortificado por onde saiam e entravam camiões por várias portas e cuja poesia só se revelava completamente à noite passando a ponte de Leça e admirando o cenário flutuante dos navios, os guindastes suspensos, os pórticos, o jogo dos contentores empilhados. Modernizado, o Porto de Leixões conta agora com uma nova função ancorada no seu molhe sul.
O novo terminal de cruzeiros do arq. Luís Pedro Silva é como uma aparição, uma espécie de prótese colocada à ilharga do molhe, uma forma fluída agarrada às pedras. A arquitectura cumpre assim um desígnio nem sempre conseguido que é o de precipitar e condensar num lugar mínimo, o encontro de vários acontecimentos, escalas, contextos, fluxos, origens e destinos. O edifício transforma-se num dispositivo multiusos que, sem pôr em causa aquelas que são as funcionalidades para as quais foi projectado, cria possibilidades para aumentar a sua intensidade e diversidade de usos.
Complexidade e fluidez são condições sem as quais esse desejo de abertura do porto, de interacção social e de promoção de vivências diversas, dificilmente se cumpriria.
Eugenio d’Ors (1881-1954), o celebrado e polémico filósofo catalão, escreveu que a grande diferença entre o classicismo e o barroco se podia ler na emergência de duas constantes que recorrentemente afloram no pensamento e nas obras dos humanos, assim: o classicismo corresponderia às formas que pesam e o barroco às formas que voam. É o que este edifício é pela sensação que dá de desprendimento do chão.
As formas turbilhonares que convergem para o centro do edifício – um poço de luz que a espiral da rampa interior percorre até ao topo -, produzem uma tensão, ora centrípeta, ora centrífuga, que conduz o movimento e a visão por espaços e sensações surpreendentes: ora o mar aparece em longas sequências de percursos transparentes e vastidão de vistas, ora somos capturados pela textura e pelo jogo da luz que faísca ou apenas se insinua nas escamas cerâmicas que revestem todo o edifício, onde cada curvatura, cada dobra, oferece uma face distinta das matérias e dos espaços que aqui se organizam.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada publicado originalmente in ArchDaily Brasil