ESTAMOS muito longe das oliveiras, sem mais adjectivos: olea europea. O que aqui se vê não são as oliveiras selvagens da primeira natureza ou, da segunda, as oliveiras cultivadas para produzir azeite. Esta terceira natureza é produzida pelos humanos para o nobre efeito do prazer dos sentidos. É uma natureza esteticizada, pura cultura, puro artifício. A biologia ou a botânica são apenas condições necessárias para que esse artifício se revele. Nas mitologias gregas da antiguidade, a oliveira era um caso especial: árvore quase eterna e por isso dos deuses, produtora de óleos para iluminar o invisível, o espírito e a noite, para conservar alimentos, para apaziguar a dor dos feridos, para amaciar a pele, para a festa do paladar, para celebrar a paz e por isso Atena plantou uma oliveira na acrópole da sua cidade. Também Noé terá recebido um ramo de oliveira no bico de uma pomba anunciando o fim do dilúvio mas essa é uma história de cólera divina que não interessa a ninguém.
Na banalidade que muitos pensam ser a Rua da Estrada, estas três oliveiras são uma aparição, um jardim. Estrabão na sua Geographia falava já dos Jardins Suspensos do rei Nabucodonosor II da Babilónia. Contra uma natureza hostil, os Jardins Sagrados eram a recriação do Éden plantado sobre plataformas artificiais irrigadas por engenhosos sistemas hidráulicos. Jardins são artifícios, são microcosmos onde cada um inventa a sua mitologia de exorcizar o caos e certas loucuras destrutivas do humano, do natural ou do sobrenatural. Como disse Foucault, «o jardim é a mais pequena parcela do mundo e a sua totalidade. O Jardim é desde as profundezas da antiguidade, uma espécie de heterotopia feliz e universalizante».[1]
Creio que é tudo, de momento. Estivessem estas proezas topiários no jardim do rei e não suscitariam o nervoso de certos espíritos. Que se acalmem. Quem não tiver posses para tais magnificências de rebuscada erudição, terá o prazer de as recriar no espaço público e isso, para além do mais, é acto de muita generosidade.
[1] FOUCAULT, Michel (1994), “Des espaces autres”, in Dits et écrits 1954-1988, vol. IV: 1980-88, ed. Defert et Ewald, Gallimard, Paris, p.759.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.