OS treinadores de guarda-redes são, talvez, as figuras menos notadas da equipa técnica de um clube. Rui Barbosa, 42 anos, atualmente no FC Porto, não foge à regra de viver na sombra de um líder. Mas agora preste atenção: o atual responsável pela forma e refinamento das qualidades de Iker Casillas já ensinou tudo o que sabia a Oblak (Atlético de Madrid) e Éderson (Benfica), cuja evolução não será alheia ao facto de terem passado pelas mãos de Rui Barbosa. Chamado este ano por Nuno Espírito Santo a integrar o corpo técnico da equipa “azul-e-branca”, o antigo treinador de guarda-redes do Rio Ave chegou ao ponto mais alto de uma carreira que incluiu passagens, enquanto jogador, pelo Varzim, Paredes, Ovarense, Nacional e Esposende. O que pouca gente sabe é que este ferrenho militante socialista já foi considerado um autarca modelo do PS no concelho de Vila do Conde. E entre futebol e política, nunca teve dúvidas sobre o território que considera mais blindado a interferências, digamos…pouco transparentes: “O futebol, sem dúvida”, costuma dizer.
Rui Barbosa foi eleito presidente da junta de freguesia de Arcos (Vila do Conde) em 2009, vencendo um círculo eleitoral que, durante anos resistiu a cair nas graças do PS, pelo menos em números esmagadores.
Ali, as disputas políticas sempre foram férreas e os eleitores muito partidarizados, quase ao estilo das claques de futebol. Um dos méritos do atual treinador dos “dragões” foi, desde logo, conseguir mobilizar os eleitores para uma das maiores votações da freguesia, bem acima da média nacional. Em Arcos (hoje União de Freguesias de Rio Mau e Arcos), votaram naquele ano mais de 74 por cento dos inscritos. Rui Barbosa ganhou as autárquicas com quase 47 por cento dos votos, após uma campanha onde agitou o fantasma da abstenção.
O então autarca (que acumulou a função com o lugar de treinador do Rio Ave), herdou uma freguesia onde a emigração se acentuara com a chegada do FMI em 2011. Várias vezes Rui lamentou, junto dos seus pares, o facto de até os mais novos estarem a seguir o passo dos mais velhos, rumo a França, Suíça e Canadá, deixando a freguesia despovoada. A esse desencanto juntou-se a penúria pública oficializada no tempo do ministro Vítor Gaspar. “As pessoas nunca pensaram que iam ter os cortes no orçamento familiar que tiveram”, desabafara Rui, numa conversa com a VISÃO por alturas das últimas legislativas. Nem por isso desistiu: a freguesia não se furtou a acudir às necessidades básicas das suas gentes, a combater atrasos que vinham de longe, onde até o saneamento básico tarda. “A Assembleia da República não tem pessoas oriundas do povo, das classes baixas”, afirmara nessa altura. “Se o Parlamento conhecesse melhor a realidade das autarquias, talvez os esforços que se fazem todos os dias a nível local fossem mais valorizados e talvez o povo quisesse conhecer melhor os seus deputados”.
Em 2013, Rui Barbosa aceitou tornar-se secretário do novo executivo da união de freguesias, presidido por Sara Balazeiro. Com competências limitadas e confrontada com a míngua financeira imposta pelo Governo PSD/CDS, a junta, ainda assim, traçou um plano para não abandonar a população mais fragilizada: pequenos arranjos urbanísticos, aulas de dança e karaté para crianças e jovens, passeios para os mais velhos, festivais de música, recolha de géneros alimentícios e roupas junto de empresários da região, transporte gratuito para o posto médico, tudo valeu para disfarçar carências. No dia-a-dia, o executivo tornou-se uma espécie de “loja do cidadão” improvisada, onde idosos e doentes solicitam ajuda para preencher papelada ou até resolver problemas com operadoras de televisão por cabo e telemóvel conhecidas por práticas agressivas de letras miudinhas.
A experiência autárquica de Rui Barbosa deu-lhe capacidade para fazer omeletas sem ovos em cenários de grande precariedade. Agora no FC Porto, onde os ovos não faltam, tem nas suas mãos o treino e o futuro imediato de um guarda-redes “gourmet” que dá pelo nome de Iker Casillas. A fazer fé no percurso ascendente de Oblak e Éderson é caso para dizer que o dono da camisola número 1 do FC Porto está entregue a mãos sábias. E talvez ainda vá a tempo de voar um pouco mais alto.
Por Miguel Carvalho publicado in Visão.