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Rua da Estrada da vizinhança

Rua da Estrada da vizinhança

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REPARE-SE como as coisas escritas em estrangeiro adquirem clarezas quase indiscutíveis como se estivessem redigidas, por exemplo, em puro português do acordo ortográfico:

“A neighbourhood is a geographically localized community within a larger city, town, suburb or rural area. Neighbourhoods are often social communities with considerable face-to-face interaction among members. Researchers have not agreed on an exact definition, but the following may serve as a starting point: “…Neighborhood is generally defined spatially as a specific geographic area and functionally as a set of social networks. Neighborhoods, then, are the spatial units in which face-to-face social interactions occur – the personal settings and situations where residents seek to realize common values, socialize youth, and maintain effective social control.”[1]

Pois. Parece, mas não é nada claro, afinal. É só porque a universalidade galopante do inglês por mil vezes repetida, cria a ilusão de que tudo assim escrito é claro, objectivo e igualmente universal o significado daquilo que se diz e se difunde em plataformas tão disseminadas quanto a wikipedia e outras centrifugadoras de grande potência. Neste linguarejar estrangeiro confunde-se muito a community com qualquer coisa que tenha que ver com ter algo em comum, o que seja, como por exemplo a comunidade que veste de cueca amarela às vezes, ou a gated community que é o condomínio fechado, forma suprema de “comunidade” protegida, unida por fortes laços de vigilância electrónica, códigos de abertura de portas QR, leitores biométricos, drones sobrevoando vinte e quatro horas e disposições escritas sobre tudo e mais alguma coisa.

Só porque estão aí todos próximos uns dos outros, uma unidade de vizinhança não é necessariamente uma comunidade das grandes ou das pequenas cidades, subúrbios ou áreas rurais, como reza o escrito teimando em fazer de conta que não se sabe nada da Rua da Estrada. Não sei onde têm visto tantas comunidades em forma de vizinhança por esta ordem ou pela inversa. Viram talvez muitos filmes do tempo salazarento do SNI, ó vizinha, a sua filha chegou!, tem um raminho de salsa?, fica-me com a pequena enquanto vou à missa?, já viu hoje a desavergonhada do segundo esquerdo?, e outras cantigas de outros pátios para entreter e pôr no facebook, fazer amigos e likes, e também há no género masculino e LGBT.

Por sua vez, a Rua da Estrada, espécie de grande urbanização em modo linear contínuo, é uma correnteza onde o verdadeiro urbano, como é de sua natureza, também desconhece ou ignora o vizinho. Se os indivíduos da sociedade dita urbana – que assim é chamada por ser composta por diferenças abismais que convivem de forma mais ou menos anónima e superficial – fossem da cusquice da vizinhança e da muita conversa com comadres e parceiros, já se tinham aniquilado uns aos outros até ao último (des)conhecido. Por isso se ignoram polidamente, dizendo bom-dia e boa-tarde ou olhando para o cão pela trela e para o menino pela mão, sorrindo.

Na comunidade dos moradores das casas amarelas e rosa dá a impressão que se torrou o estrugido. É muito mau perder os hábitos de indiferença, porque sabendo da facilidade com que as grandes amizades se oxidam, logo os problemas aparecem e os muros se empinam até desaguarem no terreno neutro do asfalto.

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Neighbourhood

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