DIZEM muitos cientistas que estudam os grafitos dos nossos antepassados das origens que certos símbolos desenhados por artes primitivas teriam tido inspiração em visões decorrentes do consumo de substâncias alucinogénicas. Compreende-se. Eram os tempos muito complicados nessa idade das pedras em que tudo era incerto e lascado, rodas não havia, automóveis, muito menos, e segundo relatos mil vezes repetidos, basta zaragata acontecia, resolvida a golpe de moca, cabelo desgrenhado, grunhidos e violência doméstica ou selvagem. Tudo muito básico, sem normas de certificação ou padronização, código de barras, higiene, segurança no trabalho e sustentabilidade.
Com tais rudimentos de comunicação, a semiótica era muito problemática e, quantas vezes, confundia-se com o rabisco. Compreender os signos, os seus elementos significantes e o significado propriamente dito, seria um enigma difícil de desvendar no imaginário remoto do homem primitivo. As capacidades de comunicação, de imaginação, de abstracção ou de se ser capaz de escogitar, desenvolver e comunicar por meio de símbolos e pensamento geométrico, estavam confinadas a um léxico resumido de grafitos onde abundavam linhas, espirais, rodas, suásticas, pontos e rodelas. Mesmo assim, sem isso ter aparecido seria impossível evoluir e organizar a trajectória para aprimorar a besta humana e desbravar o caminho da demanda intelectual e cultural do homo sapiens. Mais importante do que os utensílios do homo faber, eram as capacidades de imaginar e comunicar para pensar o desconhecido e abrir o mundo fechado da bruteza animal.
Muito tempo depois, nos anos de 1940’, o pintor francês Jean Dubuffet começou a coleccionar e a escrever sobre a “Arte Bruta”, assim designada por ser resultado de uma actividade artística impulsiva, pura e crua, saída das mãos e da mente de gente sem formação artística convencional mas com uma necessidade absoluta de se exprimir artisticamente. Os loucos, os indivíduos excêntricos e marginalizados, ou os presidiários, compõem a maior parte destes artistas arredados da ribalta – os outsiders -, solitários, indiferentes à avaliação que pudesse ser feita por outros acerca do seu trabalho. O desvio, o extravagante, a ingenuidade e o inclassificável para a arte dos salões, passaram assim a emparceirar as artes ditas primitivas, tribais, infantis ou ingénuas que alimentaram vanguardas e nomes sonantes da arte contemporânea como Picasso, Calder, Miró ou Klee.
Por tudo isso, por ser uma arte das origens para uns, ou a origem das artes, para outros, por ser simplesmente universal e de sempre, atente-se nestas mensagens do asfalto desenhadas muito para lá dos códigos desencantados da sinalização rodoviária para orientar os utentes na via pública. Arte que é arte, entre outras funcionalidades, serve para desorientar, para desinquietar. Como entender o mundo sem isso? Que circulem no campo da arte as imagens e os objectos que os especialistas entenderem e discutirem nos seus elaborados desentendimentos. Aqui circula-se mais livremente, mais a favor do vento dos sentidos.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.