APESAR do muito arvoredo que aparece nas bermas da Rua da Estrada, a verdadeira Árvore de Natal deste universo rolante é uma versão vulcanizada e transformada derivada da árvore da borracha, seringueira ou também Hevea brasiliensis no dizer dos mais eruditos em matéria botânica.
Não consta que Charles Goodyear (1800-1860), o inventor da fusão do latex com enxofre que viria a ser a borracha dos pneus ou das solas dos sapatos, se tenha lembrado de tão próspera indústria natalícia ou, se se lembrou, não se lhe ocorreram as rodelas dos pneus porque isso só apareceria uns cinquenta anos mais tarde – desfasamentos próprios dos inventores. Se calhar faltavam também as paletes para por o dispositivo decrescente em cima, e a própria rua da estrada que estaria à época muito mal desenvolvida.
A verdadeira invenção da Árvore da Borracha do Natal pintada de verde encimada com uma estrela, tal como a Rua da Estrada, deve-se a outro americano célebre, Henry Ford (1863-1947), o homem que se lembrou de fundar uma cidade na Amazónia – Fordlândia – onde tinha mandado plantar setenta milhões de seringueiras que assegurariam metade das necessidades de borracha para pneus. A Ford Motor Company era então responsável por cerca de 50% da produção mundial de automóveis. Desde os finais dos anos de 1920’ até à sua morte, Ford manteve o seu sonho desastroso de cidade-plantação, atolando-se nos mistérios da selva, nos sonhos da modernização e na toleima dos humanos[1]. Se os movimentos ambientalistas existissem nesse tempo, ainda lhe teria corrido pior, mesmo que os pneus fossem verdes como estes. O que Ford queria era controlar o preço da borracha e garantir que cada operário das linhas de montagem da Ford Company pudesse comprar um automóvel preto com o salário que ganhasse: associava-se assim a produção massificada ao consumo também massificado, garantindo a utopia da eternidade do crescimento económico e do capitalismo. Ford, sem saber, tinha inventado o fordismo.
A Rua da Estrada deve ter sido acelerada também pela mesma maquinária. Muitos carros, muita gente dentro deles a rolar, poder de compra, consumismo natalício, muitas lojas e restaurantes pela estrada fora… e seria uma folia sem fim. Apesar disso, o Pai Natal, muito apurado pela publicidade da Coca-Cola e extremamente consumista e conservador, nunca trocou o trenó e as renas por um Ford T de vinte cavalos, a máquina do sonho fordista.
Por tudo isso, há algo errado nesta pasmaceira de asfalto vazio. Só há um carro, é da Toyota, não é o Pai Natal e o fordismo foi à valeta.
SOBRE O AUTOR: Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.
[1] Greg Grandin (2009), Fordlandia: The Rise and Fall of Henry Ford’s Forgotten Jungle City, New York: Metropolitan Books.
Texto publicado originalmente em 30 de dezembro de 2016