Vivia refém das palavras que perdera numa rua escura. Lembra-se vagamente do
pavimento escorregadio, ardiloso, mas não se recorda de ter perdido o equilíbrio;
quando dera conta, já estava estilhaçado no chão. A queda fora dura. Dorida.
Dolorosa. Dilacerante. Sentira o amargo da dor aflorar-lhe o peito e susteve, a
custo, um “ai” – que ainda ecoava dentro de si.
Que importa o motivo ou até a ausência dele?! Estava perdido. Ou melhor,
partido, sem a mínima hipótese de sutura ou reconstrução. Que lhe restava, então?
Endireitar o que lhe restava do corpo e continuar a divagar nas ruas sombrias. Sem
esperança de perdão.
Perdera o medo de penhascos, declives, precipícios e outras inclinações. Vivia agora
dentro do abismo. De quem não seria amigo. Talvez só e apenas companheiro.
Por Ana Paula Barbosa, que vive em Lisboa, Portugal.