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Rua da Estrada do fim do amor

Rua da Estrada do fim do amor

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AINDA era esta uma estrada real de empedrado escasso e incerto, ia eu com Dinis cavalgando lado a lado e ouvindo suas desventuras com certa dama. Dizia então:

Eu vivo por vós tal vida
que nunca estes olhos meus
dormem, mia senhor; e por Deus,
que vos fez de bem comprida,
querede-vos de mim doer
ou ar leixade m’ir morrer.
(…)

e assim desfiava seus desentendimentos de quem andava em cuidados por novas que não sabia de tão fremosa donzela. Assi andávamos em meio de flores do verde pino e outras de pessegueiro quando aparece uma criatura que se dizia cavaleiro andante do acordo ortográfico – que acabássemos com as cantigas, que aquilo nem português era, nem galego e outras tecnologias da língua. Quebrou-se o encanto ai deus e u é?

Esperei então por Luís Vaz que aparecendo afogueado como se o asfalto lhe queimasse os pés e o entendimento – disse de rajada,

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

Tantas contradições, migo, tanto oxímoro, tanta antítese, que trazeis na alma poeta? Porque não lhe enviais um SMS, sei lá, um voucher para uma escapadela amorosa? uns versos de Bocage, talvez, vê como ali beijando-se os amores / incitam nossos ósculos ardentes! / Ei-las de planta em planta as inocentes, / As vagas borboletas de mil cores, etc. Que não, histórias de insectos voadores, coisa leviana. Antes um lirismo intenso a ver se a coisa se resolve e… nada. Mandai-lhe uma carta em papel perfumado, então, assim como se fora uma trova do Sérgio: A noite passada um paredão ruiu / pela fresta aberta o meu peito fugiu / estavas do outro lado a tricotar janelas/ vias-me em segredo ao debruçar-te nelas / cheguei-me a ti disse baixinho “olá”, / toquei-te no ombro e a marca ficou lá/ o sol inteiro caiu entre os montes / e então olhaste / depois sorriste / disseste “ainda bem que voltaste”. Também não, todas as cartas de amor são / ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas, gritou Álvaro de Campos do outro lado  da valeta.

E pronto, já ia longa tarde e eis que salta Nuno Júdice por detrás daqueles muros rendilhados a declamar solenemente, Como gosto, meu amor, / de chegar antes de ti para te ver chegar: com / a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água  / fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu: / a primavera luminosa da minha expectativa, / a mais certa certeza de que gosto de ti, como / gostas de mim, até ao fundo do mundo que me deste.

E estava isto finalmente a compor-se, quando aparece a placa anunciando o fim do Amor. Poucos foram além, e nem mesmo esses sabem como foi possível. É que não voltaram. Gritaram como danados do outro lado, seguiram atalhos, desfizeram-se contra um poste porque era verdade o que o Manuel Machado dizia

Se que voy a morir / porque no amo ya nada.

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

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