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Vizinho do silêncio

Vizinho do silêncio

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1966

ESCREVO esta crônica em meu apartamento, em Saitama – cidade japonesa em que resido há mais de dez anos. São exatamente oito e meia de uma noite de sábado: e, além das teclas de meu computador, o único som que escuto é o de um distante trem. Nas ruas, o silêncio absoluto. Como, aliás, é absoluto o silêncio em todas as casas vizinhas. Um silêncio, vale frisar, que em nada me incomoda – tão acostumado que sou aos momentos de solidão.

No entanto, se o leitor é de uma natureza, digamos, mais comunicativa (eufemismo para “conversador”), sinto decepcioná-lo, mas no Japão não encontrará um ambiente que corresponda a suas expectativas. Pois, parodiando o brasileiro Euclides da Cunha – que escreveu, em sua magistral obra que “o sertanejo (referindo-se ao habitante do sertão nordestino no Brasil) é, antes de tudo, um forte” –, ouso dizer que o “japonês é, sobretudo, um recluso”. E não coloco aqui a palavra “recluso” como uma crítica; e sim como uma característica positiva: pois, conforme disse acima, também sou do tipo que prefere a privacidade. Em outras palavras: nada de um na casa do outro para bate-papo.

Sim, reconheço: sou um brasileiro às avessas; visto que meus compatriotas, com raras exceções, adoram “enturmar-se”. Por isso, talvez, consigo conviver melhor com o povo japonês. Cada um na sua casa (portas e janelas trancadas); e, quando calha de encontrarmo-nos no elevador, um “bom dia” ou “boa noite”… no máximo! ― porque, se eu perceber que o vizinho não está com humor nem para os “bons-dias”, fico quietinho no elevador, torcendo para chegar ao lobby.

Isso quando eu consigo identificar que se trata de meu vizinho! Pois, confesso: só vim ver o rosto de um deles, pela primeira vez, após um ano em que eu havia me mudado para este prédio. E pasmem: foi só então que descobri também que ela (tratava-se de uma jovem) tinha um bebê; o qual eu tampouco desconfiava existir: uma vez que jamais ouvi o choro do infante.

Minha esposa, japonesa, justifica esta “ausência de barulho” por parte da vizinhança às espessas paredes das habitações no arquipélago. Eu, porém, nasci e cresci no Brasil: de modo que sei, por experiência própria, que não existem paredes tão poderosas que impeçam o incômodo de um povo barulhento…

De modo que digo, todos os dias, “arigatou, Kamisama (“Grato, meu Deus”, no idioma local)!” pela reclusão e o silêncio absoluto que caracterizam meus vizinhos japoneses.

Obrigado, vizinhos, por trazerem-me a paz necessária para que, dentre outras coisas, eu possa escrever esta crônica.

Até a próxima!

SOBRE O AUTOR:
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta (2015), os dois últimos vencedores, respectivamente, dos Prêmios Orígenes Lessa e Vicente de Carvalho da União Brasileira de Escritores – RJ (UBE-RJ), em 2016.

Página para contato: https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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2 COMENTÁRIOS

  1. A maneira como descreves o Japão e o povo japonês faz-nos compreender exatamente o ambiente. Deve ser muito engraçado misturar sangue brasileiro com toda essa quietude. És um brasileiro atípico e isso faz de ti um homem e um escritor muito atento a todas essas deliciosas diferenças. Obrigada, Edweine Loureiro, pelo olhar de lince!

  2. Gostei do jeito como você descreve e coloca suas ideias.
    Ao ler seu texto, tão bem apresentado por você, parecia que eu também estava “ouvindo este silêncio tão agradável”. Parabéns, amigo!
    Vou me tornar leitora assídua dos seus próximos textos.

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