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Rua da Mão do Homem

Rua da Mão do Homem

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JÁ começa a ser muito difícil encontrar um lugar no planeta que não tenha sido revolvido ou transformado pela mão do homem. Por via disso, chamam Antropoceno a esta nova era geológica onde, desde a camada do ozono até às profundezas do oceano, a marca dos humanos está tão claramente inscrita no planeta quanto os movimentos da crusta, a deriva dos continentes, as crises de vulcanismo ou a colisão com asteroides e tangências na cauda dos cometas. Por isso também existem topónimos a lembrar estas facécias extraordinárias.

Os humanos não têm descanso. Sempre a mexer, a construir, a escavar. Sempre à procura de alguma coisa, disputando centímetros de terra, calculando, delimitando, guerreando. Por isso proliferam mais que moscas e para si reclamam mais e mais coisas para apaziguar uma fome arcaica e insaciável, um impulso vital que os leve à conquista das galáxias ou à completa aniquilação. É animal ambicioso, fazedor de artefactos tantos e tão multiplicados que por vezes parece ele mesmo parte de infinitas maquinarias que proliferam e se espalham como uma maré alta que perdeu a memória da vazante.

Tudo feito pelo homem, pela sua mão ou pelo pensamento que a guia: as nuvens, o azul do céu, as eólicas, a montanha, os campos de futebol, as redes, as casas, os muros, os portões, as ruas, as estradas, a luz das lâmpadas eléctricas no cimo dos postes.

Quando a mão do homem se torna esquiva e difícil de verificar pela ausência, incompreensão ou invisibilidade dos seus actos, diz-se que é a mão de deus ou a mão da natureza. Há também ninguém e a mão de ninguém. A existência de ninguém é muito útil porque diminui logo a ansiedade na procura pela distribuição das culpas e tudo fica pelo indefinido como quem diz parece que vai chover mas ninguém sabe quando.

É bom que haja muitas mãos de muitos sujeitos porque assim será mais prático para distribuir factos e ocorrências sobretudo quando aparece alguém que não quer abrir mão das suas cismas e falsas certezas acerca de quem fez isto ou aquilo, homem, besta ou trovoada.

Não se sabe quem é o homem. É um macaco vestido, um animal que fala. Dos que têm mãos, o que mais variado uso delas faz e desfaz. Apesar dessa quase indeterminação, com os dedos das mãos pode-se contar essa variedade uma por uma, de cinco em cinco e de dez em dez. Centos de coisas infindáveis.

SOBRE O AUTOR:
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.

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