O CAIS aparecia como uma construção artificial, um apêndice acrescentado ao mar, rocha regularizada pelo betão armado. A turista recostou-se na cadeira de plástico colorido, apanágio da esplanada, como se o sol brilhante e quente a obrigasse e, ao mesmo tempo, compensasse o desconforto provocado pela peça de mobiliário exterior. Fechou os olhos para conseguir imaginar o outro espaço, baía sem cais, antepassado.
– Uma ilha?!
– Sim, achas estranho?
– Evidentemente.
– Não preciso de correr o mundo para me encontrar.
– Vais, portanto, à tua procura.
Estranhou o silêncio quase absoluto, mas, resoluta, não se deixou impressionar pelos olhares curiosos, culpou a indumentária – mais adequada à cidade vespertina, luz que antecede a boémia -, e dirigiu-se ao balcão. Não se deixou desarmar pelo semblante carrancudo do empregado, proferiu uma saudação inicial cortês, sem resposta, pediu uma cerveja importada. Arrependeu-se, não temos cá disso – uma voz seca, abrupta, retorquiu.
– Vou ficar.
– Durante quanto tempo?
– Ainda não sei.
– Encontraste o que procuravas?
– Também não sei.
Obrigou-se a cumprir uma rotina, despertava cedo para ouvir o silêncio, retomou a meditação, mas não abandonou os cigarros – companheiros na rota da escrita, pontuação absoluta na prisão ao real. O quarto de hotel bastou-lhe no semestre inicial, encontrou casa sem saber como, o acaso conduziu-a a uma soleira onde uma velha lhe falou, sem cerimónias – como se a esperasse, como se a conhecesse, como se a soubesse. Só.
– O arquipélago é um conjunto de ilhas.
– Um nome comum coletivo.
– O comum é sobrevalorizado.
– O coletivo também.
– Suponho que não falamos de gramática.
Percebeu-se uma parte do invisível, a intuição atropelou-a naquele instante, a caneta transformou a brancura da folha em registo, deixou-se levar pelas palavras e esqueceu o tempo dos outros, o seu espaço. A cada página o universo, fragmentos dispersos tornados sentido e ficção, mistura de estrelas brilhantes sem vida, firmamento imaginado transmissível, sucessão incessante de caracteres ordenados, possibilidade.
– Preferia algo baseado no contexto.
– Sou uma estranha.
– Por isso mesmo.
– Posso tentar.
– Fico à espera.
SOBRE A AUTORA:
M. Lisboa, natural da cidade do Porto, nasceu em 1976. Desenvolve a sua atividade profissional num estabelecimento de ensino da rede pública, na Região Autónoma dos Açores. É autora do blog poeta?desacordo. Começou a colaborar com o Correio do Porto em 2017.