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Nuno Rocha Morais (1973-2008)

Nuno Rocha Morais (1973-2008)

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Não me demoro, prometo:
Há, afinal, tantos indícios
De que também o mundo tem pressa,
Tanto vento a levar o dia
Numa respiração desesperada
Com sacos plásticos e folhas e cabelos.
Afinal, como poderia eu ficar,
Se todos os dias há algo mais,
Um pouco mais, do coração
Que é arrastado pela corrente,
Cobrado pela erosão?
Educaram-me a nunca pecar
Pela presença em excesso,
A fazer-me escasso ou invisível
Antes de me tornar indesejável.
Mas será possível que seja
O amor a indesejar-nos?
Sem dúvida, até essas mãos que nos quiseram tanto,
Que queriam agarrar-nos a alma
Com todo o tipo de sortilégios tácteis,
Mãos de dedos alciónicos
Que pareceram prometer tempo,
Calmaria, bonança,
Até esses começam a suar de tédio,
E inventam desculpas para serem livres
E eu prometi sempre que não me demorava. 

6.
ABORDAGEM À LARANJA

De todos os frutos a laranja:
Tão tranquilo era o cansaço
Envergando um corpo
Como vestes pesadas;
Mas, então, a laranja:
Come-se o fogo vivo
E sumário, desce
Conhecendo os desvãos de um corpo;
Todas as saídas, todas as soluções
Fossem assim, tão pouco enfáticas,
Tão humildes.
O cansaço e outros vendilhões
Saem pacificamente,
Sem a veemência do látego.
A laranja é o fruto mais próximo
De uma salvação objectiva, directa,
Pelo regresso à vida. 

O verso é o meu elemento,
Quero dizer, nele encontro
As palavras com que aprendo
A desconhecer-me,
A entender um pouco mais
Aquilo que sou pelo que não sou.
O verso é o meu elemento,
A mesma medida
De paraíso e inferno
Procuro-o, nas suas lunações
Transportam-me de mim a mim,
O verso é o meu elemento
E isto quer dizer apenas isto:
Procuro-o para me afogar
Porque o que em mim morre
Procura o verso para viver. 

5.
BIOGRAFIA

Sou treva
E não sei ser dia,
Sou distância
E não sei ser estrada,
Sou grafia
E não sei ter sentido.

4.
São cinco horas da tarde, já caiu
A pesada noite de Dezembro
E há no frio uma avidez
De matança dos inocentes.
O trânsito esbraceja, corre, brama.
Na margem da avenida, uma mulher
Espera que o sinal mude.
Há-de esperar muito, muito tempo,
Por essa espécie de anunciação verde.
Ao colo traz uma criança que dorme.
Parece muito cansada,
Como quem regressasse do Egipto,
Mas talvez seja só de um dia de trabalho
Teoricamente, é um menino,
Mas também nisso a tradição
Pode estar enganada. 

3.
Têm chovido muitas palavras.
Por favor, não é uma metáfora.
Têm realmente chovido muitas palavras,
O chão está juncado delas,
Pendem das árvores, jazem nos parapeitos…
A fidelidade, a constância, poderiam tornar-nos perfeitos.
Há palavras que me levam contigo,
A que não voltarei, em que não voltarei.
Não as deveria talvez ter dito,
Muitas, estou certo, não as disse
Mas agora são tuas tantas dessas palavras
Que vão chovendo agora e agora
E não tenho palavras onde me abrigar. 

2.
Pela poesia hei-de,
Não calar-me,
Mas dizer tudo por alheios lábios.
Direi tudo
E tudo me será perdoado,
Porque, embora seja culpado

Não sou o gesto de o ser. 

1.
Não se cansa o ramo
Pese embora tanta neve –
Assim o amor por ti 

Nuno Rocha Morais (Porto, 1973 – Luxemburgo, 2008) foi um poeta português. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1995. Aos 19 anos iniciou a vida activa na área do jornalismo no Comércio do Porto. Em 1999 passou a integrar a equipa de tradutores da Comissão Europeia, no Luxemburgo. Últimos Poemas – título que, ironicamente, desde os 20 anos, ainda estudante, elegeu como o título da primeira obra a editar – foi o livro que quis deixar organizado e foi publicado pela Quasi Edições, em 2009. Em Abril de 2016 as Edições Simplesmente editaram o livro Galeria dando continuidade ao vasto espólio literário que deixou. Em 2019 a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto publicou Poemas Sociais.

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