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A lição do Chūshingura

A lição do Chūshingura

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TODO ano, em dezembro, faz parte da programação da tevê japonesa a história do Chūshingura. Trata-se da famosa rebelião de 47 rōnins (samurais renegados) ― sim, os mais jovens provavelmente lembrarão do filme com Keanu Reeves ―, que desejam vingar a morte de seu mestre, Asano Naganori: o qual foi obrigado a cometer o seppuku (ritual suicida), após haver agredido um funcionário judicial, Kira Yoshinaka, durante os preparativos de uma cerimônia. Até hoje, não se sabe ao certo quais as razões do ataque perpetrado por Naganori, este um jovem daimyō (senhor feudal), contra o severo ancião Yoshinaka; mas a trama, recontada de várias formas na tevê, cinema e teatro, sempre sugere que o jovem perdeu a cabeça diante das constantes humilhações que lhe infligia o Sr. Yoshinaka. Um motivo banal, sim, mas que acabou causando um conflito de grandes proporções.

Vejo aqui uma lição importante a ser tirada de tal episódio: o de sabermos qual a hora certa para o autocontrole e para a rebeldia. É, em outras palavras, a valorização do “Ba Wo Yomu” (traduzindo de modo aproximado: o de saber “ler” o momento e o lugar para agir de acordo).

Sim, por mais que estivesse farto do modo como era tratado pelos mais velhos em seu grupo social, o daimyō poderia ter adotado outras táticas para reagir: como, por exemplo, fingir que aceitava as humilhações, planejando de modo mais sutil um golpe posterior contra o seu oponente. Mas o impulso do momento fez com que o jovem fosse até mesmo condenado à morte.

Por outro lado, a revolta dos rōnins, após a execução do mestre, pareceu-me um caso de “rebeldia na hora certa”. Uma reação necessária contra um sistema injusto que, infelizmente, ainda existe no Japão contemporâneo: em que muitos senhores, usando o poder que possuem, tratam jovens e subalternos nas empresas com gritos e humilhações; alegando, que assim, estão “educando-os”. Parecem esquecer-se, porém, de que os seres humanos, independente de idade, têm um limite para suportar os maus tratos ― e que aqueles que não sucumbem ou anulam a própria humanidade provavelmente irão reagir. A rebeldia dos rōnins, portanto, pareceu-me muito apropriada naquele momento histórico: pois em vez de gritarem em vão, partiram para a luta ao perceberem que a injustiça já se tornara insuportável.

Que nos valha, portanto, neste ano que se inicia, a lição que o “Chūshingura” e o “Ba Wo Yomu” oferecem: o de saber ler o momento para vencer uma batalha ― não raras vezes com um simples silêncio.

Um feliz 2019 a todos!

EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (2015), “Trovas escritas no tronco de um bambu” (2018) e, mais recentemente, pela editora alemã JustFiction! Edition: GOTAS FRIAS DE SUOR (Microcontos góticos, 2018): https://www.morebooks.shop/store/gb/book/gotas-frias-de-suor/isbn/978-613-7-39949-1
Página para contato com o autor: https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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