Acordar entre os sentimentos valeiros
na noite do desencanto vital.
Contemplo a paisagem das horas,
ladainha de ausências,
de presencias do mal
engarrafado no ódio reiterativo
de tantos dias,
de tanto sangue cristalino
a humedecer a terra em barbeito
onde as aranhas crescem
Perdi no recanto das horas
as palavras que despertam
à criação arbórea duma espiral luminosa
O eco argênteo duma canção antiga
cintila nas pupilas da areia (…) →
3.
POETA OPERÁRIO
Perseguindo um enigma
O passo sucumbido pelo vento invernal de outrora
O passado persegue-te
a essência a mar bravo penetra nos teus pulmões
dessecados de raiva
Perseguindo um enigma
o passo sobre as pegadas do teu pai
O passado persegue-te
odor a álcool na batea do João
O carro amarrado no porto
o portátil a carregar no hotel
Perseguindo um enigma
O passo cansino pela beiramar
escutando os poemas da maré
O passado persegue-te
Amanhã às sete e meia
a tua face ao vento
o carro em ponto morto
e talvez ti possas resolver o enigma
ou deixa-lo para amanhã →
2.
(Os loucos)
E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos
António Osório
Sou o legatário duma centena de loucos
que me deixaram na pele o soro da poesia
e com ela encho o meu bornal
Sou um caixeiro viajante de alfaias
a descer da falésia dos sonhos
percorrendo as entrelinhas dos cantos. →
1.
PASSEIO DE BARRANHA
Na dor tornei tão humilde ao ver
quanta humildade tinha nela entrado
Alcanço sem saber o destino
incerto da palavra no ar
e sem saber quais são os verbos do amor
e os nomes do medo
Navego á deriva neste deserto,
mar calmo na planície verbal do amor,
caminhando ate o inverno,
outono crepuscular do mágico entre cinzas
Vejo as linhas do passado
soterradas na praça solidão
As árvores perseguem um mesmo fim,
perdem as folhas das lembranças
e uma página em branco
abre a causa inicial,
a origem da linguagem do amor →
Fermosos poemas, obrigado.