NASCE em bruto uma forma antropomórfica e o cinzel aperfeiçoa as reentrâncias do rosto, cavando delicadamente um doce olhar de mulher.
Liberta-se uma mão que afeiçoa a peça como se a maciez da pele fosse mais intimista numa saliência sentida na matriz dos dedos.​
São uns lábios finos que a punção desenha e uma boca nasce desabrochando em delírio como rara flor.​
Com a polpa dos olhos acaricia a pedra e a mente decalca o sentido da obra.​
Uns seios emergem do centro do nada e os bicos apontam planetas distantes.​
Uma mão amacia a lisura do ventre e define a estreita passagem da esfinge.​
A estátua estremece, parece ter vida.​
O brilho da Luz é monocromático, de intensidade muito bem definida e até coerente e vibra na mesma frequência do talento do mestre.​
As ondas dos fótons que compõe o feixe propagam-se por toda a escultura em banhos de azul.
É um raio de luz, um clamor luminoso a despertar a aridez da pedra e só a mecânica quântica pode explicar o efeito perverso dessa maravilha.​
Mas bastam os dedos de umas mãos suaves e delicada dinâmica para que o clamor do ser inerte se assemelhe a um gemido de fêmea humana.​
A um grito colossal de prazer e volúpia.​
A um estertor que antecede o instante triunfante do orgasmo.
Todas as pedras e coisas se iluminam e sentem o fogo, se olhadas com amor.​
O mundo é perfeito quando a chuva cai e o rio em êxtase, transborda feliz os lábios da carne.​

SOBRE O AUTOR: Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro;  Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook,  Amanhecer e Barcos de Papel, estes dois últimos de poesia. Colabora com o Correio do Porto desde junho de 2016.

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