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Tempo (Mario Quintana)

Tempo (Mario Quintana)

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1970

– Esconderijos do tempo

Título do livro de poesia de Mario Quintana

ESCONDERIJOS DO TEMPO

Pela corola do gramofone
O Caruso cantava Uma furtiva lágrima
e ninguém levava a mal aquele tom fanhoso,
talvez porque todo o mundo sabia que ele já estava morto.
Se alguém espiasse pela goela do gramofone,
poderia ver como era o Outro Mundo,
mas ninguém olhava porque devia ser muito, muito longe
a ponto de estragar o som daquela maneira.
E o pobre Caruso cantava que te cantava afogado pelas águas do tempo
e por isso a sua voz era ah da mais pungente:
não é brinquedo estar morto e continuar cantando.
Caruso, eu estou pensando estas coisas não aqui e agora
mas naquele Café que tu sabes, lá por volta de 1923…
Também não é brinquedo continuar vivo e ficar falando para o que passou!

 

Por Mario Quintana in Poesia completa, Apontamentos de história sobrenatural, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 405.

TEMPO

Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 305.

TEMPO PERDIDO

Havia um tempo de cadeiras na calçada. Era um tempo em que havia mais estrelas. Tempo em que as crianças brincavam sob a claraboia da lua. E o cachorro da casa era um grande personagem. E também o relógio de parede! Ele não media o tempo simplesmente: ele meditava o tempo.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 322.

O TEMPO E A VIDA

Não se deviam permitir nos relógios de parede esses ponteiros que
marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das
horas.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 330.

O TEMPO

O tempo é um ponto de vista dos relógios.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 357.

O TEMPO

O tempo é a insônia da eternidade.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 376.

SINAIS DOS TEMPOS

Antes, se alguém começava a ouvir vozes, era adorado como um santo ou queimado como um bruxo. Agora, é simplesmente encaminhado ao psiquiatra.

Por Mario Quintana in Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 378.

O TEMPO

O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como
um velho paralítico a tocar a campainha atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho… Mas que raiva impotente dá no Velho
quando encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua cadeira de rodas!

Porque elas, simplesmente, o ignoram…

Por Mario Quintana in Poesia completa, Apontamentos de história sobrenatural, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 426.

O TEMPO E OS TEMPOS

Na idade em que eu fazia umas ficções – é o termo – um dia o Erico me disse, naquela sua maneira discreta e indireta de dar conselho: deve-se escrever sempre no presente do indicativo, dá mais vida à ação, às personagens, o leitor se sente como uma testemunha ocular do caso.
Trinta e seis anos depois, o crítico Fausto Cunha notou a preferência, em meus poemas, pelo pretérito imperfeito. Por quê? Não sei, mas deve ser porque o tempo passado empresta às coisas um sabor definitivo, esse misterioso sentimento de saudade com que a gente olha uma cena num quadro de Renoir, um Anjo ou uma Vénus de Botticelli. Sem escusar-me, eu diria que o pretérito imperfeito não é um tempo morto: é um tempo continuativo…
Porém, deixemos de bizantinismos e voltemos ao Erico. Confesso-Lhe que sempre penso nele no presente do indicativo. Ele está aqui, tão presente que nem dá tempo para a saudade. Como também estão comigo o Augusto Meyer, o Telmo Vergara, a Cecilia…

Por Mario Quintana in Poesia completa, A vaca e o hipografo, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 570.

A SAUDADE

O que faz as coisas pararem no tempo é a saudade.

Por Mario Quintana in Poesia completa, Da preguiça como método de trabalho, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 656.

VELHO TEMA

Chove.
Cada gota é uma rima pobre.
Sabes?… Sempre que chove, tudo faz tanto tempo…
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1899!

Por Mario Quintana in Poesia completa, Da preguiça como método de trabalho, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 669.

O TEMPO

O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um ano mais velho que a gente.

Por Mario Quintana in Poesia completa, Da preguiça como método de trabalho, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 674.

VERSO AVULSO

A vida não dá tempo para a Vida.

Por Mario Quintana in Poesia completa, Porta giratória, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 796.

O POVO E A RELATIVIDADE

Todas as línguas ocidentais sempre usaram a expressão “um espaço de
tempo”. Que diria a isso o velho Einstein?

Por Mario Quintana in Poesia completa, Porta giratória, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 796.

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