NESTES tempos melancólicos de pandemia, muitos amigos e familiares têm me indagado sobre a situação no Japão. Inicialmente, como resposta, postei nas redes sociais as imagens das cerejeiras: imagens estas que, de fato, refletiam o humor da população japonesa no mês de março ― com as famílias divertindo-se nas ruas e nos parques; uma vez que os casos de contágio na região de Kanto (Tóquio e adjacências) eram ainda raros. Mas, infelizmente, no começo de abril, o quadro, aparentemente bucólico, deu lugar a um crescente temor. Isso porque, em pouco mais de uma semana, o número de infectados em Tóquio progrediu de modo rápido e assustador (com até centenas de novos casos por dia). O que levou o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe a decretar “estado de emergência” no último dia sete. Engana-se, porém, quem pensa que, nesse caso, o governo japonês agiu de modo rápido para conter a pandemia.

Ao contrário, mesmo observando, em março, o que estava ocorrendo na Itália e na Espanha, o governo do Sr. Abe recusava-se a tomar medidas firmes para proteger a população. Por exemplo, na questão da quarentena, que foi adotada em várias partes do mundo, o Japão nada fez. Sim, é verdade que na Terra do Sol Nascente não há leis ou medidas impositivas: ou seja, que “obriguem” as pessoas a ficarem em casa. Mas o governo de Abe, nesse ponto, foi demasiadamente brando, apenas recomendando às pessoas que evitassem aglomerações, mas nada falando a respeito de “tomar trens e sair para o trabalho”. O trabalho domiciliar (o chamado “telework”), aliás, este tem sido tratado como um verdadeiro tabu pelo governo japonês; uma vez que as grandes empresas têm pressionado (e o gabinete do Sr. Abe obedecido) para que os japoneses saiam para trabalhar mesmo com o risco de contaminação. Trocando em miúdos: o governo e os empresários no Japão, lixando-se para a saúde da população, estão preocupados unicamente com a economia: esquecendo-se talvez de que os mortos não podem ir às compras…

O mais ridículo nisso tudo foi uma ocasião em que, tentando acalmar os ânimos da população, o primeiro-ministro anunciou que cada família japonesa receberia… duas máscaras cirúrgicas para proteger-se. O que, claro, desencadeou críticas e memes na internet em relação a tamanha comédia. Um dos memes de que mais gostei foi uma charge usando os personagens de Sazae-san (um mangá muito popular, que retrata uma típica família japonesa): no meme, o gato da família colocava a máscara e todos os demais membros ficavam atrás da mascote, em fila indiana, esperando a vez de usar uma das “duas máscaras da casa”.

Conversando com um amigo japonês, aliás, ele também ironizou a situação, dizendo: “E agora? Somos quatro em casa… O jeito é cortar cada máscara ao meio”.

É, Sr. Abe, pelo visto a população japonesa já não suporta mais suas duas máscaras: a de sorrisos para o empresário… e a trágica para o trabalhador.

EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (2015), “Trovas escritas no tronco de um bambu” (2018), “Gotas frias de suor” (2018) e “Centelhas” (romance, 2019).  Foi o vencedor do 13º Concurso de Microcontos do Festival de Cine TerrorMolins (Espanha, 2019). É também colunista do JORNAL EM DIA, no Brasil: http://www.jornalemdia.com.br/categorias.php?p=16172

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