NESTE livro, a poesia recorda várias vezes, mas discretamente a poesia de Carlos de Oliveira. A poesia de Francisco Duarte Mangas guarda dessa outra a sobriedade e a brevidade, o desenho minucioso da imagem, os valores da proximidade com os acidentes morfológicos e a respiração da terra; a ligação apaixonada com a imaginação material, a paixão do concreto, do pequeno vivo e dos ciclos naturais.
Manuel Gusmão
É talvez o único caso de poesia ecológica (eco-poesia) em Portugal, com paralelo apenas na de Cinatti sobre Timor. Em Francisco Duarte Mangas é de uma nova forma de poesia de intervenção que se trata, algo nostálgica, por vezes, em relação ao processo de degeneração ou domesticação da natureza.
João Barrento
Por não saber alcançar os ramos mais altos abraçado ao tronco, como faziam os meus amigos de infância, destros e corajosos, trouxe as árvores a pastar na escrita. Desamarradas da terra, as árvores voam. Chegam depois as aves, a cabra, os meus gatos e outros bichos. De repente, deparo: o tempo, as marcas do tempo: abro o portão de uma remota brévia, procuro repouso, água fresca, palavras como perdigueiros cheios de melancolia. Uma sebe de muitos anos separa o poema distante do mais recente. Pouco importa. Nasci, para que conste, numa aldeia cingida por serranias. Um dos montes tem este nome: Marouço. Os fabulosos pastores de tempos antigos, quando o mundo era movido a tracção animal, diziam ouvir do cume dessa serra, a muitas léguas de lonjura, os murmúrios do mar.
Francisco Duarte Mangas
A Fome Apátrida das Aves, de Francisco Duarte Mangas, pref. Manuel Gusmão, ed. Modo de Ler, maio 2013 | ISBN: 9789898364449