A PANDEMIA de 2020 parece mostrar que, quanto mais deficiente o sistema de saúde de um país, mais devastadoras serão as consequências para a sua população. Vide o Brasil e os Estados Unidos da América; os quais, apesar das diferenças econômicas, possuem o triste ponto em comum de terem péssimos (para não dizer inexistentes) sistemas de saúde.
Claro que, nas duas nações supracitadas, há o agravante de seus presidentes lunáticos ― com seus discursos criminosos de que máscaras e distanciamento social são “bobagens”. Mas o problema, acredito, vem bem antes desses dois malucos perigosos. E afirmo isso porque até os vinte e seis anos de idade vivi no Brasil, testemunhando, portanto, in loco, o martírio que é um atendimento hospitalar. Certa vez, com uma dor de ouvido medonha, fui levado até o “Pronto-socorro 28 de Agosto” em Manaus ― uma espécie de purgatório da capital amazonense. Chegando lá, adivinhem: no setor de otorrinolaringologia, eles sequer tinham um otoscópio (o aparelho para examinar… o ouvido!). O jeito, então, para não ficar surdo, foi correr para uma clínica particular ― sacrificando, assim, umas economias que muito me fariam falta na ocasião.
Já nos Estados Unidos nunca morei; mas também, pelo que a mídia nos apresenta, a terra do Tio Sam, no que se refere a hospitais, é outro filme de horror. Há alguns anos, por exemplo, assustei-me com o que vi num documentário intitulado “Sicko”. Naturalmente que, mestre da manipulação, o cineasta Michael Moore pôs lá sua dose de distorção dos fatos; mas, de todos os modos, as falhas que ele apontou no sistema de saúde norte-americano, ao que parece, existem e são graves. Como no caso dos pacientes que, sem seguro de saúde, são retirados de seus leitos para morrerem, literalmente, nas ruas. O que é ainda mais tétrico se considerarmos que estamos falando de um dos países mais ricos do mundo.
Aqui, no Japão, por sua vez, tais situações de descaso dificilmente aconteceriam ― apesar das histórias contadas de que alguns estrangeiros tiveram o atendimento negado. Se foi verdade, eu não sei. O que posso dizer é que comigo isso jamais aconteceu. Ao contrário. Lembro-me de que, em 2001, durante uma farra com os colegas, desmaiei em virtude de um “coma alcoólico” ― traduzindo: “bebi tanto que caí”. E, quando acordei no outro dia, os relatos de meus colegas sobre o atendimento na emergência do hospital foram os mais positivos possíveis: falando, por exemplo, que médicos e enfermeiras até se esforçaram no Inglês para prestar o socorro apropriado a este bebum. E com um detalhe adicional: na ocasião, eu tinha me esquecido de levar o cartão de seguro de saúde ― e nem por isso me deixaram sem atendimento.
E, para além do episódio da minha bebedeira, deixo aqui mais um testemunho de como o sistema de saúde japonês merece elogios: no início do ano, levando meu pequeno ao hospital, fui informado pela recepcionista que, até os quinze anos de idade, a consulta é grátis. Em outras palavras: toda criança no Japão tem o direito à saúde assegurado… e sem ter de pagar planos privados para isso.
Claro que não posso provar cientificamente qual seria, em uma pandemia como a que enfrentamos hoje, a relação entre o número de mortes e um sistema de saúde eficaz. Mas creio que não é ousadia afirmar que um atendimento hospitalar decente já é meio caminho andado para que se reduza o número de fatalidades. O que, em um cenário de caos, vale frisar, já é um baita “paraíso”.
EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em mais de quatrocentos concursos literários no Brasil, na Espanha e em Portugal, é autor de nove livros, sendo o mais recente: “Crônicas de um latino sol nascente” (Telucazu Edições, 2020):
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