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Antonio Machado (1875-1939)

Antonio Machado (1875-1939)

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Dobra a luz ao verso,
para ser lido de frente
e do avesso.

*

O olho que vês não é
olho porque tu o vês
é olho porque te vê.

*

Para dialogar,
perguntai, primeiro;
depois… escutai.

*

Todo o narcisismo
é um vício feio
e já velho vício.

*

Na minha solidão
vi coisas muito claras,
que verdade não são.

*

Depressa e com boa letra:
fazer as coisas bem
importa mais do que fazê-las.

*

Lutador supérfluo,
ontem o mais nobre,
amanhã o mais plebeu.

*

Não é o eu fundamental
o que procura o poeta,
mas o tu essencial.

*

Mente-se mais do que a conta
por falta de fantasia:
a verdade também se inventa.

*

Disseste meia verdade?
Dirão que mentes duas vezes
se dizes a outra metade.

*

Demos tempo ao tempo:
para que o copo transborde
é preciso enchê-lo primeiro.

*

Depois do viver e do sonhar,
está o que mais importa:
acordar.

*

Encontrei o meu lugar apagado
e revolvi as cinzas…
Queimei a mão.

*

Às palavras de amor
fica sempre bem um pouco
de exagero.

 *

Sempre que nos vemos
é encontro para amanhã.
Nunca nos encontraremos.

*

Encontro o que não procuro:
as folhas de erva-cidreira
a cheirar a limão maduro.

*

Assim disse um homem de bem,
que, ao ver o ladrão roubado,
sentia-se ladrão também.

*

A primavera chegou.
Aleluias brancas
das amoreiras floridas!

*

Esse teu narcisismo
já não se vê no espelho
porque é o próprio espelho.

*

Rebentou a rir!
Um homem tão sério!
… Ninguém diria.

*

Para dar trabalho ao vento,
cosia com fio duplo
as folhas secas da árvore.

*

Tomai atenção:
um coração solitário
não é um coração.

*

Não te importes se roda
e passe de mão em mão:
do ouro se faz moeda. 

* 

As folhas de manjericão,
sálvia e lavanda
têm vergonha do seu odor?

*

Não há razão
para desdenhar
conselho que é confissão.

*

Já sentes a seiva a correr?
Cuida, plantinha,
que ninguém o saiba.

*

Da sua velhice,
tem palavra certa,
sentenças profundas. 

*

Em perfeita rima
na margem do rio
dois choupos.

*

No mar da mulher,
poucos naufragam à noite;
muitos, ao amanhecer.

*

Escreverei no teu leque:
quero-te para te esquecer,
para te amar te esqueço.

Antonio Machado (Sevilha, 1875 – Colliure, França, 1939). Poeta, dramaturgo e narrador espanhol, da emblemática da Geração de 98. Publicou, entre outros, Soledades (1903) e Soledades, Galerias e Outros Poemas (1907). A obra do autor é extremamente lírica e subjetiva abordando temas como a morte, o tempo e a melancolia.

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