Dobra a luz ao verso,
para ser lido de frente
e do avesso.
*
O olho que vês não é
olho porque tu o vês
é olho porque te vê.
*
Para dialogar,
perguntai, primeiro;
depois… escutai.
*
Todo o narcisismo
é um vício feio
e já velho vício.
*
Na minha solidão
vi coisas muito claras,
que verdade não são.
*
Depressa e com boa letra:
fazer as coisas bem
importa mais do que fazê-las.
*
Lutador supérfluo,
ontem o mais nobre,
amanhã o mais plebeu.
*
Não é o eu fundamental
o que procura o poeta,
mas o tu essencial.
*
Mente-se mais do que a conta
por falta de fantasia:
a verdade também se inventa.
*
Disseste meia verdade?
Dirão que mentes duas vezes
se dizes a outra metade.
*
Demos tempo ao tempo:
para que o copo transborde
é preciso enchê-lo primeiro.
*
Depois do viver e do sonhar,
está o que mais importa:
acordar.
*
Encontrei o meu lugar apagado
e revolvi as cinzas…
Queimei a mão.
*
Às palavras de amor
fica sempre bem um pouco
de exagero.
*
Sempre que nos vemos
é encontro para amanhã.
Nunca nos encontraremos.
*
Encontro o que não procuro:
as folhas de erva-cidreira
a cheirar a limão maduro.
*
Assim disse um homem de bem,
que, ao ver o ladrão roubado,
sentia-se ladrão também.
*
A primavera chegou.
Aleluias brancas
das amoreiras floridas!
*
Esse teu narcisismo
já não se vê no espelho
porque é o próprio espelho.
*
Rebentou a rir!
Um homem tão sério!
… Ninguém diria.
*
Para dar trabalho ao vento,
cosia com fio duplo
as folhas secas da árvore.
*
Tomai atenção:
um coração solitário
não é um coração.
*
Não te importes se roda
e passe de mão em mão:
do ouro se faz moeda.
*
As folhas de manjericão,
sálvia e lavanda
têm vergonha do seu odor?
*
Não há razão
para desdenhar
conselho que é confissão.
*
Já sentes a seiva a correr?
Cuida, plantinha,
que ninguém o saiba.
*
Da sua velhice,
tem palavra certa,
sentenças profundas.
*
Em perfeita rima
na margem do rio
dois choupos.
*
No mar da mulher,
poucos naufragam à noite;
muitos, ao amanhecer.
*
Escreverei no teu leque:
quero-te para te esquecer,
para te amar te esqueço.
Antonio Machado (Sevilha, 1875 – Colliure, França, 1939). Poeta, dramaturgo e narrador espanhol, da emblemática da Geração de 98. Publicou, entre outros, Soledades (1903) e Soledades, Galerias e Outros Poemas (1907). A obra do autor é extremamente lírica e subjetiva abordando temas como a morte, o tempo e a melancolia.