Quando os noivos azuis mortos na guerra voltam para casa na Rússia, deitam-se para sempre na cama com as suas noivas. Estão deitados entre os lençóis lavados, como se estivessem deitados em caixões e as mulheres ainda vivas estão deitadas ao lado deles, como se estivessem deitadas em caixões e todas as pessoas em cada arranha-céus de betão estão deitadas como se estivessem deitadas em caixões.
E são arrepiantes, esses noivos. Não são apenas azuis e fedem como num matadouro, têm também ferimentos: as tripas de um estão soltas, metade do rosto de outro está cozido e pinga ainda, outro ficou sem as duas pernas. É difícil amar noivos assim, mas também não é fácil enterrá-los. As mulheres suspiram e deitam-se ao lado deles, tentando esconder a sua repulsa, porque sentem pena. Não têm mais forças, não têm mais lágrimas, não sabem porque morreram e não é mais possível perguntar ou lembrar se chegaram a amar. Os noivos estão entregues a si mesmos agora, aqueles que ainda têm dedos podem apontar apenas silenciosamente para alguma coisa. No outro dia um deles estava sentado com a boca aberta e com o dedo enfiado nela. A sua noiva pensou que estava a pedir comida e colocou um pedaço de pão embebido em leite na sua língua inchada, mas o pão caiu sem ser mastigado.
É difícil ganhar a vida depois da morte, então põem de lado alguns dos subsídios do funeral para o casamento. Algumas bonificações, compensações, uma gota disto, uma gota daquilo, para sobreviver. Nos próximos dias, esse casal — ele morto, ela viva — realizará no mesmo dia o casamento e o funeral para evitarem arcar com despesas duas vezes. Primeiro o noivo é chorado e depois todos dão os parabéns ao feliz casal. Como a noiva é ao mesmo tempo viúva, veste um conjunto especial: um vestido branco com um véu preto. Enquanto o noivo veste o fato do pai, o pai explodiu na Chechénia, mas agora o fato fica bem ao filho, toda a família está orgulhosa.
É verdade que as noivas têm medo de ficar sozinhas com os noivos na noite de núpcias. Pois as pessoas são fracas e é difícil para os vivos desejarem os mortos. É como se os estivessem a trair, como eles eram quando viviam, com os mesmos que agora estão mortos. É como se houvesse dois seres humanos separados – um vivo e outro morto. E tu não podes mais escolher entre eles.
Claro que as mulheres teriam preferido os vivos. Foi tão bom beijá-los sob as flores das macieiras nos primeiros dias de maio. Ou economizarem juntos para umas férias à beira-mar. Ou tomarem chá com pãezinhos comprados no quiosque a caminho do trabalho. Ou mandá-los à loja que está aberta toda a noite comprar espadilhas em molho de tomate, durante a primeira gravidez. À noite, deitadas ao lado dos seus mortos imóveis, elas fantasiam sobre os vivos. Que seja Deus a julgá-las.
Por Daria Serenko (Rússia 1993), tradução a partir do inglês de Jorge Sousa Braga