Como primitivos enterrámos o gato
com a sua tigela. De mãos nuas
amontoámos areia e cascalho
sobre a cova.
Com um silvo
e um baque caiu tudo sobre os seus flancos,
sobre a sua extensa pele vermelha, a pelugem
branca entre os seus dedos e o seu
longo, para não dizer aquilino, nariz.
Parámos e sacudimos o pó um ao outro.
Há desgostos mais fundos do que este.
Silenciosos o resto do dia trabalhámos,
comemos, olhámo-nos fixamente, dormimos.
Toda a noite houve temporal; agora o dia clareia, e um pintarroxo
gorjeia num arbusto gotejante
como o vizinho que nos quer bem
mas diz sempre a coisa errada.
Trocando dólares por cêntimos, edição contracapa, outubro 2021, Página 118, tradução Luís Filipe Parrado