Ninguém reparou nele,
o pequeno burro
na fotografia
por baixo das manchetes.
Um burro branco,
que toda a vida carregou sucata
e melancias,
que certamente ficou parado
quando amarraram a sela
de dinamite ao seu corpo,
até que lhe deram pancadinhas no traseiro
estimulando-o com um “anda lá”
para as linhas inimigas –
Foi apenas
a meio do caminho
que se apercebeu da erva pálida
brotando entre as pedras
e desviou-se
da rota
a fim de a mastigar,
era apenas ele mesmo
no tique-taque do silêncio.
Não está escrito quem disparou:
se aqueles que temiam que ele voltasse
ou aqueles que recusaram o presente que se aproximava
mas quando subiu ao céu
em chamas
o burro foi promovido a
messias explosivo
e setenta e duas mulas imaculadas
lamberam as suas feridas.
Tradução de Jorge Sousa Braga