QUANDO eu morrer, sim, porque não poderei ficar por aqui para além do tempo, do meu tempo, não me procurem no túmulo onde o corpo, no interior do qual vivi, se transforma, em campa rasa, no cemitério do alto da colina onde se vêm três rios a brincar com o sol.
Não haverá flores mortas a deformar a airosidade do sítio, mas apenas um ou mais que um poema, escandalosamente a soarem debruçados sobre a terra e a serem recitados alegremente pelas aves que eternizarão os meus cantos, quando voarem sob o céu de todas as futuras primaveras.
Depois de entregar a alma a Quem ma destinou, estarei em todos os lugares dos possíveis mundos, nas fantásticas paisagens que observei, na chuva, no vento, nas nuvens e no sol. Serei flor e árvore, energia do chão e fio de água a correr constantemente.
Podereis falar comigo em todos os lugares; ouvirei as palavras que me dirigireis e responderei, se me prestarem a atenção que um livro merece.
Lembrem-se de mim como alguém que viveu com alegria e amou a insignificância, a julgar que ela tinha o grande valor que lhe atribuiu, que foi pouco mais que um instante, partícula desprendida de um Ser brilhante, infinitamente maior do que ele, que só por aqui passou pela imprescindibilidade de ver, mais uma vez, a assombrosa beleza dos Rios e o azul delicado do Mar que tanto amou.
Quando?
Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro; Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras – Conversas com um Rio; Fado Falado – Crónicas do Facebook; Amanhecer; Barcos de Papel; Casa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.