3.
As bombas de hoje
parecem lava
vinda do alto
mas de dentro da terra.
Depois sobem ao céu
como um turbante de nuvens
e submergem até
os picos das montanhas
de Zagros.
Em baixo, nas ruas
a vida tornou-se
mais rápida,
corroída por alarmes,
enquanto focos de luz
varrem o rio.
Mas morre-se
sem precisar para isso
duma poça de água.
Nunca porém a vida
deixou de se reger
pelo coração,
lugar voltado
para
os olhos dos homens,
como a flor do hibisco.
A lua
tingida de rubro
falta entretanto
ao encontro no seu balcão
do Oriente
nas noites
em que nuvens de fumo
a encobrem.
Mas as cinzas
hão-de acabar de cair:
o fumo duma terra queimada
não dura sempre.
4.
Vêm agora
empoleirados em camiões.
O único contacto
com a terra
é quando saltam
para a pisar.
Têm um coração
que deve ser cego
para isso amparam-se,
a uma espingarda,
como os cegos
a uma bengala.
Caminham dos pés à cabeça
carregando com a morte:
são muitos
os que tropeçaram já
num sulco de terra.
Esses
não tornarão a ver
o disco da aurora.
Outros
se seguirão,
um a um.
Esta
é a palavra
dum coração que vê.
18.
Querem contar eles
a história
toda.
Mas a história
não é só sua
e da outra metade
do bando.
Não conseguirão
fazer-nos
esquecer de nós.
23.
Um buraco de bala
no tecto da cela,
no tecto
do “curral”,
um buraco de bala
chega
para conversar com a eternidade.
33.
Para voltar
a ver-te
um só instante,
a ti,
que és mais bela que a lua,
antes que a manhã recolha
as estrelas
uma a uma
e as guarde
do outro lado do céu,
vou atravessar
o rio
coberto de holofotes,
que transformam o verde claro
numa fosforescência
de água assustada.
Se não me matarem
nem me apanharem vivo,
mantém-te alerta,
mantém alerta
o desejo mais antigo
e o mais novo.
Vou passar
do lado de fora
da parede
perfurada
pelas balas:
passa-me um lenço
de seda
com o teu perfume.
Marca-o com o segredo
dos teus lábios.
&etc, Setembro de 2005.