Quando passo caminhando vagarosamente pelas ruas da minha terra, sinto um perfume único, uma fragrância inspiradora que decerto vem do respirar dos rios e se mistura com os cheiros silvestres que me vêm dos montes em redor.

Sento-me na esplanada de um café de onde se vê muito próximo o rio e olho o panorama, aqui desmesuradamente sublime. Emocionado, murmuro baixinho a gratidão que sinto por tão grande privilégio me ser dado, uma espécie de oração intimista, jamais conhecida por terceiros, enquanto saboreio a agradável magia destes amanheceres tranquilos.

Que mágoa eu sinto por ser tão presunçoso, às vezes injusto, altivo e orgulhoso. O muito que me falta em modéstia e humildade, sobra-me em vaidade, convencimento e arrogância, em tudo o que de menos bom têm os seres humanos e que eu guardo em mim.

Mas cantei para muitos. Toquei para outros tantos sem ter conhecido amplamente uma nota musical que justificasse a permanência nessa maravilhosa arte. Foi como se tivesse amado alguém de um mundo estranho ao meu. Um ser que não falava a mesma língua, como se nos tivéssemos unido apenas pelos sons musicais que nos chegavam aos ouvidos, belas melodias que a natureza e a vida ainda têm.

Do tudo o que, com melodia soava ao nosso entendimento e reside no feitiço e lindeza das coisas que nos rodeiam e nos fazem felizes, é sem dúvida música. Também o sol, o vento, a água, a ternura que existe nos frágeis botões que despontam das flores, na leve ondulação do rio ao cair da tarde, nas ondas do mar, na meiguice de umas mãos que procuram outras mãos onde permaneça a sensação mais pura desse toque, eternamente.

Tudo é novo e diferente em cada dia que desponta, em cada instante, em cada sorriso, em cada lágrima, em cada abraço, em cada beijo, em cada estímulo emocional que nos eleva num arrebatamento gigantesco do espírito que renasce e se perpétua em cada amanhecer na minha terra.

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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