8.
É lei do tempo, Senhora,
Que ninguém domine agora
E todos queiram reinar.
Quanto vale nesta hora
Um vassalo bem sujeito,
Leal de homenage e preito
E fácil de governar?
Pois o tal sou eu, Senhora:
E aqui juro e firmo agora
Que a um despótico reinar
Me rendo todo nesta hora,
Que a liberdade sujeito…
Não a reis! – outro é meu preito:
Anjos me hão-de governar.
7.
Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não no sei
Mas nessa hora a viver comecei…
in Folhas Caídas
6.
Qual tronco despido
De folha e de flores.
Dos ventos batido
No inverno gelado,
de ardentes queimores
No estio abrasado,
De nada sentido,
Que nada ele sente…
Assim ao prazer,
À dor indifr’ente.
Vão-me horas da vida
Comprida
Correndo,
Vivendo.
Se é vida
Tão triste viver.
in Flores sem Fruto, aprs. Paula Morão, 5ª ed., Lisboa: Editorial Comunicação, 1988, p. 57.
5.
Seus olhos se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou →
4.
Vede em mim funesto exemplo,
Vós, que amores loucos seguis;
Penei séculos inteiros,
Pouco tempo fui feliz.
Belos astros do meu fado,
Dois olhos meigos, gentis,
Já para mim não fulguram,
Pouco tempo fui feliz.
Enquanto, amor, em tuas aras
Curvei humilde a cerviz,
Fui constante o meu tormento,
Pouco tempo fui feliz.
Venturoso o que seus ferros
Não conhece, não maldiz;
Mostrou-me razão cruel,
Pouco tempo fui feliz.
Prazeres de fantasia,
Ah, nem vós já me iludis;
‘Té mesmo o meu delírio
Pouco tempo fui feliz.
Breve espaço a flor mimosa
Conserva o lindo matiz;
Foi com ele a minha glória,
Pouco tempo fui feliz.”
in Poesias Dispersas, Lisboa: Editorial Estampa, 1985, pp. 63-64.
3.
A brisa voga no prado
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.
A mim, tornem-me essas flores
Que uma a uma eu vi murchar,
Restituam-me os verdores
Aos ramos que eu vi secar…
E em torrentes de harmonia
Minha alma se exalará,
Esta alma que muda e fria
Nem sabe se existe já.”
Almeida Garrett, Folhas Caídas, Lisboa: Editorial Ulisseia, 1998 (reimpr.), p. 153.
2.
Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não. →
1.
Se na nossa cidade há muito quem troque o b por v , há pouco quem troque a liberdade pela servidão.