10.
SARÇA ARDENTE
Um toque leve,
e eu perder-me-ei
– pelas planícies todas do azul,
pelos campos mais longos
que quiseres,
em direcção a leste, a norte,
a sul
Um toque tão macio de rouxinol
que a tortura se apague,
um nome se incendeie
junto ao chão
e expluda com a tarde
Desliza-me na pele
o fio incandescente dos teus dedos,
que eu entrarei de frente
pelo sol,
e arderei no sol,
sem medo →
9.
AMENDOINS
Não sou capaz. Bem tento que ele venha,
o tal olhar diagonal das coisas,
mas as pessoas surgem-me tão sérias,
tão capazes nos seus discernimentos.
À minha frente agora, por exemplo,
um grupo com cerveja e amendoins.
Se fosse um tempo antes, conseguia
fazer de amendoins um qualquer tema,descascar um poema devagar
feito de amendoins, cerveja e gente.
Mas tudo me parece tão normal
e os amendoins coisas sensatas[apanhados do prato vorazmente,
entre gestos nervosos e correntes
conversas baloiçadas] →
Que mais fazer
se as palavras queimam
e tanta coisa em fumo em tanta coisa.
sarças ardentes do avesso
o fogo em labaredas que mais
fazer →
7.
A casa em ruínas que vejo daqui
salta da janela, entra nesta sala, →
6.
Mesmo que fale de sol e de montanhas,
mesmo que cante os ínfimos espaços →
5.
Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti: →
4.
Como posso dizer que o teu corpo é divino?
Nele eu faria o pino até insensatez, →
3.
Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa. →
2.
Minha senhora noite desvelada:
Nem chamar-te antiquíssima desejo.
Minha mãe, minha amiga, Noite Minha,
Casa onde sou senhora como tu. →
1.
BIOGRAFIA (CURTÍSSIMA)
Ah, quando eu escrevia
de beijos que não tinha
e cebolas em quase perfeição!→
Ana Luísa Amaral (1956) é uma poetisa portuguesa e professora de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa e vive, desde os nove anos, em Leça da Palmeira. Tem um doutoramento sobre a poesia de Emily Dickinson e as suas áreas de investigação são Poéticas Comparadas, Estudos Feministas e
Estudos Queer. É Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde integra também a direção do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Tem publicações académicas várias em Portugal e no estrangeiro. É autora, com Ana Gabriela Macedo, do Dicionário de Crítica Feminista (Porto: Afrontamento, 2005) e preparou a edição anotada de Novas Cartas Portuguesas (1972), de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (Lisboa: Dom Quixote, 2010).
Está representada em inúmeras antologias portuguesas e estrangeiras e tem feito leituras dos seus poemas em vários países, como Brasil, França, Estados Unidos da América, Alemanha, Irlanda, Espanha, Rússia, Roménia, Polónia, Suécia, Holanda, China, Colômbia e Argentina.
Em torno da sua obra a companhia Assédio, com o Teatro do Campo Alegre, levou à cena dois espetáculos de teatro (O Olhar Diagonal das Coisas e A História da Aranha Leopoldina).
Em 2007, venceu o Prémio Literário Casino da Póvoa, atribuído no âmbito do encontro de escritores de expressão ibérica Correntes d’Escritas na Póvoa de Varzim, com a obra A Génese do Amor. No mesmo ano, foi galardoada em Itália com o Prémio de Poesia Giuseppe Acerbi. O seu livro Entre Dois Rios e Outras Noites obteve, em 2008, o Grande Prémio de Poesia da APE (Associação Portuguesa de Escritores).
Publicados em França, no Brasil, na Suécia e em Itália, os seus livros serão brevemente editados também na Holanda e na Venezuela.
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