9.
NOCTURNO
Pelas duas da manhã o gato leva-me
à cozinha para
me dar de comer. Hoje à noite atrasa a hora –
é esta a noite ideal para
a ilusão dos amantes (o que acontecer nessa hora
jamais
aconteceu). Acordado o
pensamento é a minha geografia –
o que fazer às imagens que nenhum poema
reclamou (a
gota que cai da torneira é sempre
a mesma gota? O
mar que um búzio contém é
o da praia onde estava?) Às duas
torna a ser uma e
o gato leva-me ao quarto
(se a noite não traz respostas é
sempre o silêncio quem fala)
o gato que escreve com as patas tem decerto
algo a dizer. →
8.
Ainda estranho o lugar quando acordamos
no revés de já ser outro
o dia
porque espelhas o tempo à janela é
à face de teu rosto que decido
o que vestir.
O vento que molda a praia
é de todas as bandeiras:
há um silêncio talhado à substância do quarto
(o chão de madeira matiza o
frio que força uma fresta)
podia apostar comigo: hoje
de madrugada
um cão ladrou na voz do galo.
O meu sobrenome segue-te
pela véspera da casa
(fim de emissão no ecrã
cálices
meio hasteados) a
chuva desistiu de apagar o nosso amor embaciado
pelo lado negativo.
Tornas à cama e abres
aquele romance de sempre
(o descanso existe
noutro cansaço). →
7.
como se o acaso fizesse desta folha um reino
por habitar o endereço de janeiro algo branco →
6.
é já tarde poucos são os fascínios que nos
movem o som quente a escrever um sem-número →
5.
Cedo ao rastro de restos que
me tenta até ti
(pernas de nylon vazias
sapatos
desafogados) →
4.
Nunca tanto como hoje reparei com atenção
na
luz do sol de Janeiro. Forte →
3.
pedalo
pedalo
não saio do mesmo sítio. →
2.
vens
caindo
pela dor
acomodando. →
1. Declaração…
Não gosto que
uses
o isqueiro
que te
ficou
do passado
para
atear o
cigarro. →
João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, Portugal, em Junho de 1967. Divide o seu tempo entre Leça da Palmeira e Venade. Publicou 8 livros de poesia, os primeiros sete reeditados em “Poesia Reunida” (2011), a que se seguiu o seu mais recente título “Você está aqui” (2013).