1928
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Jorge de Sena (1919-1978)

Jorge de Sena (1919-1978)

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1928

4.
CIDADE

Imensa, troglodita, ambiciosa,
vai a cidade até à praia;
perdeu no campo as rochas cor-de-rosa
e o mar, se a busca, evita-a, não desmaia
antes se ergue negro contra o desconforto.

O rio leva casas debruçadas
que já, com o tempo, foi cavando em arcos
de perfil sem cal, inclinado e morto…
e leva também barcos.

No céu, as nuvens correm desviadas,
enquanto o Sol, em dardos, sobre o mar se crava.

3.
SUMA TEOLÓGICA

Não vim de longe, meu amor, nem sossobraram
navios no alto mar, quando nasci.

Nada mudou. Continuaram as guerras;
continuou a subir o preço do pão;
continuaram os poetas, uma vez por outra,
a perguntar por ti.

É certo que, então, imensa gente
envelheceu instantânea e misteriosamente.

Mas até isso, meu amor, se não sabe ainda
se foi por minha causa,
se por causa de outros que terão nascido
ao mesmo tempo que eu.

Publicado in Coroa da terra. Porto: Lello & Irmão, 1946

2.
Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas. 

1.
METAMORFOSE

Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.

Estou tão longe da margem que as pessoas passam
e as luzes se refletem na água.

E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter…
uma luz desce o rio
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem
as nuvens não passem
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana. 

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