SURPREENDENTEMENTE, a Rua da Estrada da Trafaria interrompe o tom asfáltico de estrada quando lhe passa ao lado a esplanada de um café. Transforma-se então em avenida. É bonito este passo civilizacional de encontro ao paralelepípedo, calcário no passeio, granito na via – Sous les pavés, la plage! -, como se dizia em Paris num certo mês de Maio de um ano já pretérito.

Mais difícil de explicar é o nome do snack-bar Zona Verde… Não é por ter a última letra ao contrário, é porque é todo vermelho, cadeiras, mesas, guarda-sóis e toldos e até o reclame do café Sical. Certo é que zona verde ou espaço verde também não se sabe o que seja – vai do campo de golfe à mesa do bilhar (também as há que são azuis), passando pelo relvado do campo de futebol, pela imensa Amazónia e por todos os terrenos de erva rala e arbustos fatelas onde os caninos se aliviam. Quando faltam searas e clorofila, também se pode esverdear com sintéticos de relva plástica ou mesmo pintura aplicada directamente sobre betão.

Antes desta expressão tecno-insonsa se ter divulgado qual praga de gafanhoto – animal esverdeado comedor insaciável de espaço verde -, as coisas tinham nomes: jardim, parque, bosque, floresta, campo, canteiro, selva, etc. Camões, o poeta, dizia que verdes são os campos e aí estendia o seu lirismo admirável, as metafísicas ovelhas e as graças do amor.

O espaço verde, urtigas incluídas, é apenas um dos muitos desencantamentos que povoa a cabeça daqueles humanos que tanto lhes vai um jacarandá em flor, como uma tília no inverno (que julgam ser uma árvore seca); camélias são flores e relva é tudo que é erva de baixa altura, cortada, de preferência. Horta, são couves, talvez alfaces.

Porque ocultamos o mundo por trás de palavras-reposteiro, grossas, pesadas e opacas, pensando que com isso estamos a exercitar a racionalidade e a abarcar o conhecimento, caminharemos para o geral embotamento. No final disso, esta foto ficará reduzida a edificado e via pública e será o bastante. Quando as ratazanas roerem os alicerces do molho tubular gigante, aquela cilindrada sem travões irá rolar em todas as direcções, reduzindo tudo a cacos e ruínas, qual terramoto. Dali a um inverno, a erva rebentará pelas gretas e a primeira austrália mostrará o viço das folhas, cumprindo o eterno retorno do espaço verde naquela zona e poderá haver outra vez snack-bar.

Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da EstradaVida no Campo, Volta a Portugal Paisagens Transgénicas.

Publicado originalmente em 31 dezembro de 2015

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