[N]OVA Deli , Índia, cerca de 17 milhões dos quais 6 nem água têm. Estima-se que na Índia existam cerca de 65 milhões de humanos a viver em bairros de lata, slums, em condições muito abaixo do imaginável.
Entretanto, nos vapores das assembleias gerais sobre o progresso civilizacional e a emancipação da condição humana, anuncia-se que mais de cinquenta por cento da população do planeta vive em cidades – um feito extraordinário. Pensam essas assembleias que “cidades” é uma palavra rutilante a transpirar de cosmopolitismo por todos os poros, gente gira, jovens com cães pela trela, bicicletas, automóveis de luxo e centros históricos. Não é. O que essa percentagem mede é a urbanização da pobreza e o seu imenso rol de injustiças. À medida que o capitalismo selvagem ocupa o mundo, produzindo ali porque se paga pela tabela da escravatura, vendendo acolá porque há dinheiro no bolso, e traficando algures num paraíso fiscal, engordam as ilhas e os arquipélagos onde se concentra o enriquecimento escandaloso e alarga-se o oceano da pobreza e dos sem nome. Entretanto, as ideologias mornas do romantismo mágico pregam a sustentabilidade como se fossem pastilhas para os nervos e para a depressão.
No mundo ainda mais alucinado da internet vendem-se pacotes turísticos para passear no slum. Em Nova Deli, segundo o TripAdvisor, são os “Delhi Slum Walks”. Pode-se escolher um guia de uma ONG, visitar famílias e interagir (!!) com elas, ver “crianças correndo pelo labirinto das vielas”, ouvir histórias de sobrevivência, ver artistas de rua vestidos com roupas coloridas, praticar yoga e meditação e mais não digo que se me enrolam as tripas com a emoção. Que coisa maravilhosa! No século XIX da Europa colonial e ainda mais para a frente, ia-se ao Jardin d’Acclimatation em Paris ou ao Crystal Palace de Londres ver os Zoos Humanos onde se podia interagir com os povos indígenas e os seus costumes, artesanato, crianças e animais domésticos.
Na Rua da Estrada de Nova Deli tão raramente vazia nesta foto, a miséria aflora em roupas coloridas e estendais de roupa nas cercas dos muros. Vende-se e compra-se tudo. Atrás, os prédios dos mais favorecidos ainda não completamente ricos, amontoam-se no seu vibrante encastelamento.
Que exótica a Índia e as viagens para além da Taprobana doce, alegre e deleitosa.
Texto de Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada e foto de Sebastião Santos