Há 30 anos, eu próprio recolhi um poema (em decassílabos perfeitos rimados e tudo!) da edição de um jornal. E quantas vezes fui tentado a plagiar a inocência linguística das crianças (a resposta da minha filha de três anos a uma pergunta impertinente: «Para que serve o queixo!»; ou um miúdo da rua a um repórter de A Capital: «A minha mãe fecha-me fora de casa»).
Sintomas de poesia in Visão de 18 de maio de 2006
244. Foi assim que o poeta argentino Esteban Peicovich (num livro inesperado que me chegou agora às mãos, um livro que eu próprio tivera um dia o juvenil projecto de escrever!) se meteu, como um pesquisador de oiro, a caminho da língua à procura de poesia, ou, como um anatomista, à procura de sintomas de poesia nas palavras de todos os dias, numa frase perdida, na factura de um restaurante, numa notícia de jornal.
Sintomas de poesia in Visão de 18 de maio de 2006
243. Segundo os dicionários (parece-me insensato menosprezar os dicionários, que são um dos últimos bastiões de bom senso da língua), a palavra « poesia», tomada no seu sentido absoluto, significa «qualidade que caracteriza os bons versos, e que pode ser encontrada noutros lugares que não nos versos».
Sintomas de poesia in Visão de 18 de maio de 2006
242. Os jornais abundam hoje em frases descasadas e em erros de ortografia (dos de sintaxe melhor é nem falar).
O «Jornalês» que escrevemos in Jornal de Notícias de 16 de maio de 2006
241. O aparelho recolhe informações de sensores instalados por toda a casa, relativas a idas ao frigorífico, por exemplo, ou ao tempo passado em frente da TV (os cientistas ainda não descobriram um sensor de vícios ocultos, nem um sensor do medo e da desesperança).
Um rosto para o medo, in Jornal de Notícias de 12 de maio de 2006
240. Tem que haver (oh, a urgência humana, demasiadamente humana, de compreender…) algum irresolvido problema de afecto no horror de Siza Vieira a árvores e jardins.
Um cravo cortado, in Jornal de Notícias de 26 de abril de 2006
239. … excluindo os tempos inocentes da infância (mas mesmo então os meus pais já tinham o hábito de ler-me livros), tenho sido durante toda a vida um joguete nas mãos do Mafarrico
Eu pecador, me confesso in Jornal de Notícias de 14 de abril de 2006
238. Mesmo com atenuantes (jornais, só leio o Correio da Imaculada, TV, só a «Canção Nova», e na Net só frequento sites diocesanos, além de que, na Rádio – mas a Rádio não consta dos «novos pecados» do Vaticano -, só ouço a Renascença), tenho o Inferno garantido.
Eu pecador, me confesso in Jornal de Notícias de 14 de abril de 2006
237. Só que a visada e a sua editora interpuseram em tribunal uma providência cautelar para impedir a publicação da obra (João Pedro George, Couves & Alforrecas. Os segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto) pois a revelação do «segredo» seria como revelar, por exemplo, a receita dos pastéis de Belém, e portanto lesiva «dos direitos (…) de propriedade industrial (sic) da escritora», até porque «Margarida Rebelo Pinto» é uma «marca registada» que não pode ser usada sem autorização (o que quer dizer que esta crónica também está à margem da lei…).
A Marca registada in Jornal de Notícias de 31 de março de 2006
236. Na semana passada foram os insultos e tentativas de agressão protagonizados pelo líder da bancada; agora foi o seu «vice», um tal Coito Pita, anunciando que o partido de Jardim (que é, será preciso recordá-lo?, o de Marques Mendes) não permite que ali se comemore o 25 de abril. Segundo o PSD, isso seria «inoportuno».
A Madeira outra vez in Jornal de Notícias de 23 de março de 2006
235. Os jornais pelam-se pela aberração (pelo, como se diz na gíria, «homem que morde o cão») e a maioria do PSD da Assembleia madeirense é uma fonte inesgotável de «monstros» para as primeiras páginas.
A Madeira outra vez in Jornal de Notícias de 23 de março de 2006
234. Por isso é que, despedindo-nos dos amigos, nos despedimos de facto (não metaforicamente ou simbolicamente) de nós mesmos.
Despedida in Visão de 12 de janeiro de 2006
233. ao contrário de, como de costume, educadamente os despedir, fiquei à porta a falar longamente com ambos (que, pobres deles, a seu favor tinham apenas algumas palavras da Bíblia e uma grande, uma persistente convicção) sobre a vida e a morte.
Despedida in Visão de 12 de janeiro de 2006
232. No dia da morte do Cáceres, acabara de ouvir na rádio a notícia terrível, bateram-me à porta dois jovens (americanos, julgo eu, glabros apóstolos de uma qualquer religião que não tive curiosidade de identificar) propondo-se falar-me do «plano» de Deus para a minha vida.
Despedida in Visão de 12 de janeiro de 2006
231. Os livros místicos bem podem falar de libertação e de recomeço, a morte está para além (ou para aquém, sei lá) da possibilidade de sentido.
Despedida in Visão de 12 de janeiro de 2006
230. E, no entanto, a morte (seja ela o que for) é algo impensável, algo que o coração e a razão se negam a compreender, e por isso mesmo quando a esperamos não a esperamos, sobretudo a morte de um amigo.
Despedida in Visão de 12 de janeiro de 2006
229. O rosto de Ilse Losa que esse mapa desenha é principalmente feito de livros, livros de ficção mas também (e como poderia ser de outro modo) de memórias.
A sombra de outra vida in Jornal de Notícias de 10 de janeiro de 2006
228. Porque somos feitos da confusa e inconstante matéria da memória, da nossa própria memória e da memória dos outros (a nossa memória dos outros e a memória dos outros de nós) e cada um de nós pode também dizer de si: «Eu era um tesouro escondido, e precisei de ser revelado…».
Um adeus como todos imenso in Jornal de Notícias de 4 de janeiro de 2006
227. Por isso, a perda de um amigo é, de facto (não apenas metaforicamente ou apenas simbolicamente), a perda de uma parte de nós.
Um adeus como todos imenso in Jornal de Notícias de 4 de janeiro de 2006
226. Só a memória (e a memória construímo-la como construímos um presépio: com pedaços) o torna verdade.
Ao Natal chega-se partindo in Jornal de Notícias de 23 de dezembro de 2005
225. A desudada agitação dos adultos, a mãe metida na cozinha, o cheiro a fritos (as filhoses, as rabanadas, os sonhos) pela casa, as prendas, que me pareciam apenas uma rotina cabisbaixa (e porquê não poder abri-las antes da meia-noite?), o desolador menu da ceia (bacalhau!, eu que imaginava a felicidade sob a forma de um bife com batatas fritas!), tudo me fazia detestar o Natal.
Ao Natal chega-se partindo in Jornal de Notícias de 23 de dezembro de 2005
224. O seu poder é enorme e ninguém nem nada lhe está imune (nem um boletim clínico). É, como diz Sócrates (S. Paulo também o diz), um saber.
Palavras que nos dizem in Jornal de Notícias de 21 de dezembro de 2005
223. A palavra «amor», por exemplo, não precisa de ser pronunciada para significar, e (como se temesse mostrar-se) revela-se quase sempre sob a forma de outras palavras ou silêncio.
Palavras que nos dizem in Jornal de Notícias de 21 de dezembro de 2005
222. Desde Douro, faina fluvial fez quase quatro dezenas de filmes (mais de dois terços a partir de 25 de abril, isto é, depois dos 66 anos).
O rapaz do trapézio voador in Jornal de Notícias de 15 de dezembro de 2005
221. O jovem Oliveira era campeão nacional de salto à vara, além de piloto de aviões e corredor de automóveis (e ginasta e artista de circo amador, com reputação feita no Porto com um arriscado número de trapézio voador que, com o irmão, executava nos saraus de beneficência do Sport Club do Porto…)
O rapaz do trapézio voador in Jornal de Notícias de 15 de dezembro de 2005
220. A poesia não tem respostas (às vezes, pobre dela, nem perguntas…) não oferece consolo, não promete coisa nenhuma.
Poesia em tempos de indigência in Jornal de Notícias de 12 de dezembro de 2005
219. No segundo e último desses dias, o Auditório da Biblioteca encheu-se de gente (muita teve que ficar de pé) para ouvir poesia.
Poesia em tempos de indigência in Jornal de Notícias de 12 de dezembro de 2005
218. Do mesmo modo feliz e insensato como passava pelos defesas contrários encandeando-os com fintas e slaloms, Georgie passou pela vida (também literalmente, várias vezes foi preso por conduzir depressa de mais) a velocidade excessiva.
Um último copo por George Best in Jornal de Notícias de 28 de novembro de 2005
217. Viveu a vida (literalmente bebeu-a) como jogou futebol: no limite.
Um último copo por George Best in Jornal de Notícias de 28 de novembro de 2005
216. Os próprios números têm (os economistas não o sabem porque a sua ciência dos números é uma ciência de escravos) o poder desrazoável de, não apenas repetir, mas sonhar o mundo.
Onde se fala de gatos e de homens in Jornal de Notícias de 9 de novembro de 2005
215. E, contudo, dir-se-ia (e isto é algo que escapa aos economistas) que é o sonho, mais do que a balança de pagamentos, que alimenta a vida, e que os povos, como os homens, precisam de mais do que números.
Onde se fala de gatos e de homens in Jornal de Notícias de 9 de novembro de 2005
214. (E porque também a existência é uma viagem é que se torna tão difícil aos homens conceber a morte como uma partida sem regresso; por isso, para as religiões, a morte é antes uma «passagem», o retorno a uma espécie de infância, ou de casa materna, perdidas).
O longo caminho de casa in Jornal de Notícias de 24 de outubro de 2005
213. Daí a misteriosa alegria dos regressos, consumação – no reencontro com as rotinas, com os rostos e lugares familiares, com a língua materna (porque só à língua materna se regressa) – do desejo profundo de repouso do viajante.
O longo caminho de casa in Jornal de Notícias de 24 de outubro de 2005
212. A Rua Guillaume Apollinaire /1880-1918/ Poeta, em Paris (isto é, em parte nenhuma)
Uma rua em parte nenhuma in Jornal de Notícias de 21 de outubro de 2005
211. Eu seria outro (alguém muito mais desoladamente pobre; e não o saberia) sem a A sombra do caçador, de Charles Laughton.
Livros e filmes que somos in Jornal de Notícias de 18 de outubro de 2005
210. A filiação teórica de tanta prudência (e tanto cinismo) é a «presunção de inocência», figura processual que de repente ganhou asas e transvasou para o campo da notícia e da reportagem, corroendo os alicerces do edifício de coragem cívica em que se forjou historicamente o jornalismo. Hoje o jornalismo já não diz, diz que se diz…
«Alegadamente» e prudentemente jornalismo in Jornal de Notícias de 14 de outubro de 2005
209. A primeira norma que um estagiário hoje aprende mal entra numa redacção é que nunca deve ver nada senão «alegadamente» (nem que o veja com os próprios olhos).
«Alegadamente» e prudentemente jornalismo in Jornal de Notícias de 14 de outubro de 2005
208. É um filósofo da ética (Peter Singer) que verificou que a fundamentação moral usada para justificar a opressão sobre os animais é a mesma que tem servido historicamente para sustentar a «inferioridade» de outros seres humanos (como as mulheres, por exemplo).
Animais humanos, não-humanos e inumanos in Jornal de Notícias de 5 de outubro de 2005
207. Depois de horas de espera, primeiro para arranjar um requerimento, depois para o entregar, a Segurança Social informou-me finalmente (seria impressão minha, ou a Segurança Social soltou um risinho de gozo?) que, dentro de 10 dias, diria de sua justiça.
Expedição à Segurança Social (Capítulo I) in Jornal de Notícias de 30 de setembro de 2005
206. E, apesar de tudo (que tanta coisa é), apesar do lado negro da ciência, cujo símbolo mais brutal são as bombas de Hiroxima e Nagasaki (em que Einstein esteve envolvido), a tragédia da nossa existência ilumina-se de súbito: queremos conhecer a origem do Universo, não somos inteiramente miseráveis!
Há 100 anos… in Visão de 22 de setembro de 2005
205. Muita gente, se calhar a maioria de nós, ainda julga que o Sol anda à volta da Terra (não é isso que vemos todos os dias?).
Há 100 anos… in Visão de 22 de setembro de 2005
204. De repente descobrimos que não há um plano, e muito menos um plano inteligível, que Deus, afinal, joga aos dados com o Universo (é mesmo o que está a fazer a maior parte do tempo).
Há 100 anos… in Visão de 22 de setembro de 2005
203. E lembro-me de outra Dorothy, esta do Kansas, a de O Feiticeiro de Oz, de Victor Fleming (um filme que é dedicado «aos jovens de coração»),….
«Para além do arco-íris» in Jornal de Notícias de 5 de setembro de 2005
202. … principalmente quando as notícias que todos os dias nos chegam das cidades devastadas pelo Katrina nos dão conta de pilhagens, de assassínios, de violações e roubos, praticados por seres humanos sobre outros seres humanos, aproveitando-se da sua desorientação e da sua vulnerabilidade (isso, sim, parece-nos próprio de homens).
«Para além do arco-íris» in Jornal de Notícias de 5 de setembro de 2005
201. Mas dos cães, ao contrário dos homens (que usam a expressão «fidelidade canina» em sentido pejorativo), nós esperamos fidelidade.
«Para além do arco-íris» in Jornal de Notícias de 5 de setembro de 2005
200. O cronista é filho de Cronos, o tempo que passa, e a crónica vive o mesmo redundante destino do jornal que, como os velhos tipógrafos diziam, no dia seguinte serve apenas para embrulhar peixe (e que outro destino tem tudo senão o esquecimento?).
Apresentação sob a forma de crónica, in Jornal de Notícias de 1 de setembro de 2005
199. mais tarde, na Hélade, li os excertos fulgurantes (a súplica de Príamo, prostrado diante de Aquiles, acompanhou-me toda a vida), traduzidos por Maria Helena da Rocha Pereira.
Finalmente a Ilíada, in Visão 21 de abril de 2005
198. Mas, de uma forma ou de outra (às vezes depois de ter dado grandes voltas por livros tão díspares como a Bíblia ou Winnie-the-Pooh, As elegias de Duíno ou A Vida Sexual, de Egas Moniz, lida às escondidas na infância), acabo sempre na Ilíada.
Finalmente a Ilíada, in Visão 21 de abril de 2005
197. A pergunta aparece às vezes em versões apocalípticas: que livro alguém levaria para uma ilha deserta ou que livro alguém salvaria de um incêndio (partindo do pressuposto de que não houvesse urgência maior para salvar de um incêndio do que um livro…).
Finalmente a Ilíada, in Visão 21 de abril de 2005
196. Infelizmente a poesia não é, receio bem, uma espécie de Igreja do Reino de Deus, nem os poetas são, pobres deles, sacerdotes ou profetas (talvez já tenham sido, mas também eles perderam literalmente a graça).
A salvação pela poesia, in Visão 24 de março de 2005
195. Igreja com mais crentes que fieis, da poesia talvez se possa dizer, como da mecânica quântica (território de desrazão), que é algo que ninguém compreende mas que, pelos vistos, funciona.
A salvação pela poesia, in Visão 24 de março de 2005
194. (Armando da Silva Carvalho, um notável poeta, escreveu em tempos um poema enumerando até à exaustão aquilo que a poesia «não é», só que, se não fosse, a maior parte da poesia não seria, inclusivamente muita da poesia do próprio Armando da Silva carvalho…).
A salvação pela poesia, in Visão 24 de março de 2005
193. Há até um «Dia Mundial da Poesia» (curiosamente não há um «Dia Mundial da Prosa»…), que se comemorou no passado dia 21, assinalando o início da Primavera.
A salvação pela poesia, in Visão 24 de março de 2005
192. O homem despojadamente frágil e humano que jaz no leito de Eugénio ou que paradamente se senta no sofá perto da janela (que pensará ele de nós quando nos olha sem nos ver ou quando, vindo de longínquos lugares, regressa de súbito ao nosso lúcido convívio e às nossas preocupações) é hoje o palco extremo de um milagre mais fundo e mais inquieto do que o da poesia.
Eugénio, in Visão 27 de janeiro de 2005
191. Desapossado da poesia (Eugénio já não escreve; qualquer que seja o exasperado desígnio que move a vida contra a morte, o corpo contra o tempo, a poesia já não é para aí chamada), há algo que nem a doença nem o sofrimento podem tirar-lhe: aquilo que (a desperta luz dos sentidos, o fulgor rumoroso dos seres e das coisas) nos deu.
Eugénio, in Visão 27 de janeiro de 2005
190. Por isso os amigos decidiram juntar-se na sua casa do Passeio Alegre (a casa que Eugénio sempre quis que fosse, mais do que sua, a casa da própria poesia encheu-se de gente) para escutar de novo a voz dos seus versos.
Eugénio, in Visão 27 de janeiro de 2005
189. Depois de um longo trabalho (não há matéria mais trabalhosa que a do amor), escreveram sobre elas um livro
«Árvores com história», in Visão 22 de abril de 2004
188. Mesmo sem saber quantos cantos tem Os Lusíadas (coisa surpreendente em alguém tão bom em números), o prof. Cavaco Silva ficou, como primeiro-ministro, credor da Cultura Portuguesa por dois acontecimentos fulgurantes e clarividentes: o Dr. Santana Lopes e o Dr. Sousa Lara.
O sobressalto, in Visão 8 de abril de 2004
187. e Joana d’Arc (oh, o rosto dorido e iluminado da Falconetti no filme de Dreyer!) ardendo na fogueira com os voltados para o céu;
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
186. De Pierrot le fou, por exemplo, pouco resta: uma canção («Jamais je n’ai dit que je t’aimerais toujours, oh mon amour!»)
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
185. Che Guevara (no meu quarto, eu tinha a sua foto, morto, de olhos transparentes e abertos, pregada numa cruz) vende t-shirts; Fidel tem a cadeia cheia de poetas; Cohn-Bendit é deputado europeu; Muhammad Ali, a quem uma vez escrevi um poema que começava assim: «Estou sentado à tua direita poderosa…» sofre de Parkinson e não diz coisa com coisa.
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
184. Até Tintin, ao fim de tantos anos, me parece cansado e céptico (em contrapartida os negócios escuros de Rastapopoulos vão vão de vento em popa…)
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
183. Ser jovem, como ser velho, é uma penosa tarefa. Mesmo quando é (e tantas vezes é, como ser velho também) uma perigosíssima aventura.
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
182. Juventude (ó Alexandre O’Neill!) é tempo, não é virtude.
Heróis, in Visão 4 dezembro de 2003
181. E contudo cada dia tem um som particular, o som dos domingos, ou o das tardes de sábado, é diferente do dos outros dias (só aos sábados e domingos, ou aos fins de tarde, por exemplo, há vozes de crianças), e o dos dias de Verão diferente do dos dias de Outono, e o das noites diferentes do dos dias.
Ouvir, in Visão 6 novembro de 2003
180. Raramente a ouço, a essa cidade de sons (ninguém, acho eu, a ouve).
Ouvir, in Visão 6 novembro de 2003
179. O corpo (também o corpo é uma cidade), desatento e apressado, só se apercebe das inumeráveis cidades sensíveis da cidade quando, consciente de si, é finalmente capaz de parar por um momento:
Ouvir, in Visão 6 novembro de 2003
178. Num livro lido há muito anos, A cidade fantástica, Ray Bradbury punha dois jovens à descoberta de outra (secreta, de tão próxima e familiar) cidade de Nova York, a dos sentidos: cheiros, olhares, tacto.
Ouvir, in Visão 6 novembro de 2003
177. E, se puderem (e o mais certo, hélas!, é que possam…) hão-de arranjar maneira de cobrar alguma taxa a quem se sentar paradamente num jardim em vez de estar a produzir qualquer coisa que se compre e se venda…
Jardins, in Visão 28 de agosto de 2003
176. O da Cordoaria não sobreviveu à fúria urbanística do Porto 2001 e é agora não um jardim, mas uma pindérica ideia de jardim, com iluminação indirecta, frios bancos de granito (sem – ó pós modernidade!- costas!), estreitos e rectilíneos canteiros onde algumas desoladas ideias de arbustos quase culpadamente afloram, sem lugar possível para a intimidade ou o silêncio.
Jardins, in Visão 28 de agosto de 2003
175. Pus de parte o jornal e ali fiquei, durante horas, sem fazer absolutamente nada senão respirar (e com que lentidão ociosa é possível respirar um jardim!), enquanto as vozes da grande cidade febril se desvaneciam distantemente dentro fora de mim.
Jardins, in Visão 28 de agosto de 2003
174. Voltei ao Café Cifrão (Cifrão & Economia, estranhos lugares para a minha memória de Ruy Belo!)…
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
173. (Com Ruy Belo, eu teria, se calhar, preferido falar de futebol, pois nada do que poderia dizer-lhe sobre versos, principalmente sobre os seus versos, podia ser dito: mas com Eugénio, João Miguel e Joaquim por perto o futebol estava inteiramente fora de questão…).
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
172. Ruy Belo morreria pouco tempo depois, mas eu não podia ainda sabê-lo (ninguém podia, a não ser talvez ele mesmo, do modo imaterial como coisas dessas, sem se saberem, se sabem).
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
171. E, por qualquer motivo (o mais certo é que fosse por pudor), eu desejava ansiosamente ir-me dali embora.
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
170. Mas ser jovem e estar diante de alguém de cujas palavras se tem o coração desmesuradamente chio, falando de coisas triviais (falar de poesia é quase sempre um exercício ocioso), é uma experiência insuportável.
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
169. Um dia ao fim da tarde, na Faculdade de Economia do Porto (raio de sítio para encontrar uma alma desprovida e gratuita, mas o real é assim mesmo, seja por ironia seja só por mau gosto) conheci Ruy Belo.
Breve encontro, in Visão 14 de agosto de 2003
168. O livro (já tenho até visto à venda livros de páginas em branco!) é depositário, tão-só pela sua estrita materialidade, de alguma forma feliz de mistério que se furta a qualquer outro modo de produção de sentido.
Livros, in Visão 5 de junho de 2003
167. Mesmo a subprodução literária (ou, na maior parte dos casos, meramente dactilográfica) ultra-light que por aí abunda responde, ingénua ou calculistamente, à fundamental necessidade de ficção dos homens.
Livros, in Visão 5 de junho de 2003
166. Por algum motivo as Feiras do Livro se mantêm (apesar de tudo) à margem dos roteiros mediáticos dos clowns da política e do entretenimento.
Livros, in Visão 5 de junho de 2003
165. Rubem Braga repetiu uma vez no Cruzeiro uma crónica que já publicara antes, justifciando-se com a desconcertada circunstância de Van Gogh não ter pintado os Girassóis (citor de cor, os exemplos podem ter sido outros) para serem olhados apenas uma vez, nem Beethoven composto a Pastoral para uma única audição.
Provavelmente Natal, in Visão 26 de dezembro de 2002
164. E de todas as vezes me sentei diante da máquina de escrever (agora diante do insondável écran do computador) com a inquieta sensação de ter sido, também eu, apanhando (e como poderia não o ser?) numa amável armadilha.
Provavelmente Natal, in Visão 26 de dezembro de 2002
163. Há algo de cerimonioso no Natal que irrita e seduz: a iconografia kitsch, a simbologia (no entanto vasta: um deus nascendo, menino, entre os homens e, ao mesmo tempo, um homem nascendo humanamente entre os deuses, um vértice vertiginoso em que, por um momento, divindade e humanidade se tocam) reduzido à extrema literalidade por séculos de púlpito, o comércio dos presentes.
Provavelmente Natal, in Visão 26 de dezembro de 2002
162. O outro puxava da pistola quando ouvia falar em cultura, estes puxam dos economistas (ou, usando a expressão do actual presidente da Câmara do Porto, da calculadora) e do «gosto médio».
Cultura para «maiorias», in Visão 14 de novembro de 2002
161. Quando, pela primeira vez, usámos (a voz e o coração hesitando diante de uma penosa fronteira, constrangidos como quem comete uma infidelidade) o imperfeito em vez do presente, falávamos já de algo que não nos pertencia.
A noite unânime, in Visão 26 de julho de 2001
160. Tudo o que num livro cabe (e que não é, valha-nos Deus, grande coisa), tudo o que é possível compreender e dizer com palavras, serve-me para quê, na rua, aos encontrões, inconforme por dentro (e provavelmente por fora), de martelinho de plástico na mão, no meio de rostos desconhecidos que me falam e me sorriem, e gritam, e cantam, e exultam, alegres de pura e inútil alegria sem razão?
A noite unânime, in Visão 28 de junho de 2001
159. E nós, os jornalistas, íamos, um a um, espreitá-los à porta da tipografia, vendo-os afrontar colectivamente (outra palavra clandestina) administradores e directores.
Lembrança do Sr. Amaro, in Visão 3 de maio de 2001
158. … senão depois de termos passado a fronteira e de (uma fronteira é talvez justamente isso, a linha, o momento terrível que nos separa de nós mesmos) nos sentirmos, sem motivo, subitamente sozinhos.
O caminho de casa, in Tempos Livres, n.º 74 junho 1997
157. Uma vez, em Santiago, tentei até – porque falo agora destas coisas? – ensinar a «Canção do mar» a Natasha e a Galia (Galia ia-a traduzindo penosamente para russo, anotando tudo, palavra a palavra, num pequeno caderno de capas castanhas; a minha confusa e fragmentária memória daquela canção está hoje guardada algures em Yekterinburg, no caderninho de capas castanhas de Galia).
O caminho de casa, in Tempos Livres, n.º 74 junho 1997
156. Hoje, uma parte de Nagasaki recorda (e como não poderia recordar-se?), outra esquece.
Tu não viste nada em Nagasaki in Tempos Livres, n.º 6 Novembro 1996
155. E talvez ela seja tão funda e tão imperiosa que não possa confinar-se dentro de um museu de destroços (um relógio de sala, a sombra de um corpo desmaterializado numa parede, os inseguros caracteres de criança num caderno escolar esfacelado) ou dentro da recordação, já vaga, do horror.
Tu não viste nada em Nagasaki in Tempos Livres, n.º 6 Novembro 1996
154. A roseira (acho que é uma roseira) rompe penosamente através da cancela de um jardim e, de súbito, a rosa abre-se sobre a tarde toda.
Tu não viste nada em Nagasaki in Tempos Livres, n.º 6 Novembro 1996
153. Porque é que a minha memória de Nagasaki é uma flor (uma rosa, provavelmente, mas não tenho já a certeza) gritantemente vermelha?
Tu não viste nada em Nagasaki in Tempos Livres, n.º 6 Novembro 1996
152. Misteriosa coisa é a memória dos lugares, o que deles ficou em nós (o que é, talvez, um modo de dizer «o que de nós neles ficou») quando irremediavelmente se transformaram – e, com eles, tudo aquilo que uma vez fomos – em passado e distância.
Tu não viste nada em Nagasaki in Tempos Livres, n.º 6 Novembro 1996
151. Quem lê habitualmente estas crónicas sabe que aqui não se gosta (e «não se gosta» é o mínimo que é possível dizer) de economistas.
Sem sombra de pecado in Jornal de Notícias de 11 de novembro de 1992
150. (Já vi pateticamente defender, a seguir à privatização e sujeição à lógica do «lucro» das escolas, dos hospitais e por aí adiante, também a apropriação privada dos rios, dos mares, do próprio ar que respiramos!)
Sem sombra de pecado in Jornal de Notícias de 11 de novembro de 1992
149. Talvez o maior erro do marxismo tenha sido o seu optimismo, a sua injustificada confiança na natureza humana (incluindo a natureza humana dos marxistas…).
Sem sombra de pecado in Jornal de Notícias de 11 de novembro de 1992
148. Instalando uma consciência moral no interior dos homens («como uma guarnição militar numa cidade conquistada»), a cultura mantém os seus instintos primários sob permanente e rigorosa vigilância. Por isso a cultura faz homens infelizes e culpados.
Sem sombra de pecado in Jornal de Notícias de 11 de novembro de 1992
147. Sem valores culturais, sem ideias, sem ideais (isto é, sem renúncia e sem angústia), uma sociedade não passa de uma grotesca barbárie mais ou menos organizado.
Sem sombra de pecado in Jornal de Notícias de 11 de novembro de 1992
146. Numa sociedade como aquela em que se tornou a sociedade portuguesa dos últimos anos, inteiramente órfã de ideias e de valores, bons ou maus, Cunhal parece ter-se tornado, de facto, numa espécie de paradigma, e contra ele e contra a sua «quixotesca» fé (pois que o homem teima, apesar de tudo, em continuar a acreditar em algo) se lançam todos os Sanchos Panças triunfantes da nossa praça pública.
Notícias do pesadelo in Jornal de Notícias de 7 de outubro de 1992
145. E como não sabem, nem podem saber, roubaram-nos o melhor que tínhamos, os sonhos, os ideais, os valores (até, tantas vezes, os meros e pouco rentáveis escrúpulos), deixando-nos absolutamente sós fora de nós mesmos, como mutantes desamparados e assustados errando na imensa selva do mais forte e do mais velhaco.
Notícias do pesadelo in Jornal de Notícias de 7 de outubro de 1992
144. Como disse o poeta, eles não sabem (nem sonham) que é o sonho, e não as cotações da bolsa, que comanda a vida, e que pelo sonho é que vamos.
Notícias do pesadelo in Jornal de Notícias de 7 de outubro de 1992
143. Vejo a sanha com que os nossos líderes políticos e os «pivots» dos telejornais espezinham furiosamente os restos da tragédia em que descambou a utopia comunista e pergunto-me se, neles, nesses terríveis destroços, eles odeiam os crimes do socialismo real (o maior dos quais terá sido, provavelmente, o da traição à utopia igualitária) ou se não é, antes, a própria ideia de utopia e de esperança que, incapazes de compreender, eles sobretudo odeiam e perseguem.
Notícias do pesadelo in Jornal de Notícias de 7 de outubro de 1992
142. A verdade é que um verso (fosse eu capaz de escrever um bom verso), ou um poema, têm certamente mais e mais óbvias hipóteses de durar do que um primeiro-ministro ou um presidente.
Antes da crónica in Jornal de Notícias de 2 de setembro de 1992
141. Sei bem que o sr. primeiro-ministro, eleito e reeleito pelo referido povo (apesar de tudo o que lhe tem feito nos últimos tempos…) tem, «et pour cause», todos os motivos e mais um para estar convencido de que o povo é burro.
O meu referendo in Jornal de Notícias de 8 de julho de 1992
140. que Portugal deixe de ser uma «República soberana», soberania que (a não ser que a Constituição esteja equivocada) «reside no povo» e não no PSD nem no PS.
O meu referendo in Jornal de Notícias de 8 de julho de 1992
139. Escrevi num papel a seguinte pergunta: «Concordo eu que um economista de Boliqueime e um engenheiro electrotécnico de Castelo Branco decidam (por mim em particular e por todo o povo português em geral) negociar uma parte importante da soberania nacional que, assegura-me a Constituição, “pertence ao povo” e não aos ditos economistas e engenheiro?».
O meu referendo in Jornal de Notícias de 8 de julho de 1992
138. Nem o tamanho da nossa vida, que mediríamos pelo tamanho dos nossos sonhos (e pelo das nossas derrotas) não tivéssemos todos debandado e desertado para a nostalgia e para a ironia quando a vibrante bandeira da nossa juventude caiu nas mãos dos infiéis.
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
137. E que os nossos sonhos passados (como agora os nossos sonhos presentes, tão óbvios, tão prováveis!), e nós, as nossas derrotas, a nossa melancolia, fazemos todos parte da mesma medíocre telenovela.
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
136. E o que imagino (mas a minha imaginação sempre foi coisa pouco recomendável) embaraça-me e apavora-me.
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
135. Atrás de nós veio, pesadamente, a perigosíssima estirpe da chamada gente prática (laboriosas formigas que, enquanto cantávamos na rua e fugíamos à frente de todas as polícias, mastigavam metodicamente as sebentas em sombrios quartos onde não chegavam o fogo dos sonhos nem o clamor da vida) e reduziu a utopia a dimensões razoáveis e geríveis. (Façamos-lhe, no entanto, justiça: talvez, quem sabe?, sem eles cedo a despensa se tivesse esgotado e a festa tivesse acabado mal e numa tremenda ressaca…).
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
134. Aquilo por que, há 20 anos, estávamos dispostos a perder tudo o que tínhamos (que não era, aliás, grande coisa: tempo, paciência, a breve vida) desmoronou-se mesmo antes de termos levantado as primeiras inseguras paredes.
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
131. Outros partiram para improváveis distantes lugares; um enlouqueceu (e esse foi, se calhar, o que, imóvel e cegamente, partiu para mais longe).
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
130. Alguns passaram-se com armas e bagagens (e, naturalmente, proveito) para o lado do inimigo.
Crónica 20 anos depois in Jornal de Notícias de 10 de junho de 1992
129. O outro (era Goebbels ou Millan Astray?) sacava do revólver quando ouvia falar de «cultura»;
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
128. Dir-se-ia que a alma de todos os políticos do país (que, como se sabe, são em geral gente especialmente sensível à pintura abstracta), ou aquilo que faz as vezes de alma na sua complexa anatomia,…
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
127. Foi assim que a crescente morte de Vieira da Silva em Paris se tornou num ver-se-te-avias de frenesi dos políticos em Portugal: faxes (para os jornais), telex (para os jornais), comunicados (para os jornais) e telefonemas (para os amigos e conhecidos dos jornais).
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
126. E a verdade é que os casamentos de conveniência e a promiscuidade entre o poder e os artistas e intelectuais têm gerado, ao longo dos séculos, além de gigantescos equívocos, também muitas obras-primas, mesmo quando elas foram apenas empreitadas de louvor (generosamente pagas) à glória do mandante.
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
125. De modo que podem então, sem risco de serem menos «cultos» que o político do lado, pôr o livro na estante, comprar o quadro para a parede do gabinete ou mandar a secretária reservar bilhetes para a estreia («Não se esqueça de perguntar se é preciso fato escuro…»).
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
124. … gente desembaraçada, pressentem facilmente que coisa escrita ou pintada que não percebam (e que não seja um orçamento nem um autocolante) deve ser «cultura».
Não perca esta, leitor: fala de «cultura» in Jornal de Notícias de 18 de março de 1992
123. O segredo da vida, que só eles e mais ninguém conhecem (e onde, como dizia Luiz Pacheco, nem o filósofo Maldonado Gonelha pode alcançar), intriga-me e angustia-me.
A outra esfinge in Jornal de Notícias de 26 de fevereiro de 1992
122. Só muito tarde aprendi (e frequentemente à minha custa, que é, aprendi também, o modo mais apropriado de aprender seja o que for) que a vida é o maior de todos os enigmas.
A outra esfinge in Jornal de Notícias de 26 de fevereiro de 1992
121. A grandeza, para os liberais profetas do sucesso, corresponde, mais ou menos, ao volume de «facturação» e dos «resultados líquidos», e uma mecânica legião de economistas e de gestores atarefa-se monocordicamente em convencer-nos de que a felicidade é a mesma coisa que taxas de juros baixas. (Todos os dias leio nos jornais barbaridades do género!).
Contra os economistas in Jornal de Notícias de 29 de janeiro de 1992
120. Com o fito de receber o prémio de sucesso (intrigante e inquietante palavra!), muitos de nós procuraram, viva ou morta, a infância dentro de si e entregaram-na, amarrada de pés e mãos, aos carrascos.
Contra os economistas in Jornal de Notícias de 29 de janeiro de 1992
119. (Que coração – de homem ou de sociedade – sobreviverá alimentando-se, não do desmesurado sangue dos sonhos, mas de «programas» e de «projectos»?).
Contra os economistas in Jornal de Notícias de 29 de janeiro de 1992
118. Se não tivermos uma pequena infância que seja (um jardim longínquo, um vago quarto de dormir perdido), onde guardaremos os segredos mais secretos e onde brincaremos ainda?
Contra os economistas in Jornal de Notícias de 29 de janeiro de 1992
117. O dia abriu-se – pelo menos pareceu que se abriu – como um imenso fruto (como uma romã, talvez, ou como a laranja azul de Paul Éluard, ainda mais azul e mais luminosa), contaminando de feliz e frágil felicidade a tarde toda.
Finalmente um pássaro! in Jornal de Notícias de 15 de janeiro de 1992
116. Outro assunto que podia ser interessante (todos os dias chegam assuntos à crónica e ao cronista, vindos de leitores ou de amigos, ou tão-só do sombrio quotidiano dos homens) era o do juiz do Tribunal de Polícia do Porto…
Finalmente um pássaro! in Jornal de Notícias de 15 de janeiro de 1992
115. A defesa dos valores da vida, na vaticana versão (desde que a vida seja a de um feto no ventre da mãe, ou de um croata, ou de um piloto profissional envolvido, por um punhado de dólares, numa perigosa competição de estrada…), parecia um bom assunto…
Finalmente um pássaro! in Jornal de Notícias de 15 de janeiro de 1992
114. E, «revelou aos jornalistas a família do músico», de súbito o seu corpo (ou será a alma) acorda, vindo ninguém sabe de onde.
Saudades da vida in Jornal de Notícias de 11 de dezembro de 1991
113. Em tempos medíocres como estes, cheios de aldrabões, de assaltantes de espíritos, de mutantes infelizes e oportunos arrastando-se, sob a forma de livros, de quadros, de discos, pelos escaparates das livrarias, pelas galerias, pelos «tops» e pelos comércios críticos (cada um lerá isto e pensará que me refiro ao vizinho do lado!), sou ainda capaz de comover-me.
Saudades da vida in Jornal de Notícias de 11 de dezembro de 1991
112. Conta Borges que Poe (e Poe também saberia o que quero dizer!)…
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
111. Nem Frei Luis Léon (a crónica hoje virou-se definitivamente para os poetas) penou o inferno quotidiano dos escritores, das salas de espera, dos cafés, das gares ou de outras metáforas do obscuro vampiro da vida lá de fora. Mas também saberia (eu sei que saberia) o que quero dizer.
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
110. Eugénio de Andrade nunca passará um dia na redacção de um jornal, mas sabe (eu sei que sabe) o que quero dizer.
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
109. Os homens precisam (acho eu, que sou jornalista já vai para mais de 20 anos) da solidão, da sua pura e irreparável comida.
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
108. Porque (já que vamos em maré de poetas) viver sempre, mesmo só, também cansa.
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
107. E sobre a sabedoria das nações correcta e aumentada: mais vale só do que acompanhado (mesmo que bem acompanhado).
Notícia a Eugénio de Andrade sobre a solidão in Jornal de Notícias de 4 de dezembro de 1991
106. A mim nunca nenhuma dessas infelizes crianças (que, com a experiência que levam, daqui a uns anos rapam o cabelo e se vão aos negros e aos imigrantes!) o tentou fazer.
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
105. Torquemada provisório ou em profissionalização inventou um expediente monstruoso: pôr as nossas crianças, em bandos organizados (ainda não andam de camisas castanhas, mas lá chegarão), a arrancar à força os cigarros das mãos dos fumadores que passam.
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
104. O fumador, para alguns professores, tornou-se de facto no judeu dos tempos presentes, num criminoso a abater (para bem dele, evidentemente, e para bem da sua saúde…), tudo em termos de subtil e miserável ódio à diferença.
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
103. Mas em muitas escolas, e para muitos professores, os fins parece justificarem, de novo, os meios (e todos sabemos onde isso, ao longo da História, tem levado, sempre com as melhores intenções e a pensar no bem das vítimas, claro…).
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
102. Eu, que fumador crónico me confesso, penso que será talvez útil alertar os jovens e as crianças para os malefícios do tabaco (e não só, mas essa já e outra questão).
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
101. O «homem natural», que é como quem diz a criança, e, de facto, mau como as cobras (evidentemente que isto é uma força de expressão, coitadas das cobras!).
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
100. Valeu-me na circunstância o facto de ser então um miúdo orgulhoso e corajoso (mais do que hoje…);
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
99. A verdade é que (acho eu, mesmo não sendo especialmente dado a certezas) dentro de cada um de nós, ou dentro de muitos de nós, existe um pequeno Hitler na clandestinidade.
O ovo da serpente in Jornal de Notícias de 27 de novembro de 1991
98. Enquanto os outros liam a vida de S. João Bosco e os manuais de Filosofia do prof. Bonifácio («O mundo é a casa dos rapazes e a casa é o mundo das raparigas», ele é que sabia…), andava eu pela Lua com Tintin e com os Dupond…
Onde o cronista se deita no divã in Jornal de Notícias de 13 de novembro de 1991
97. Tinha que haver alguma grande razão para eu não ser como todos os outros: não voto PSD, não gosto de cerveja, não leio Saramago, não ouço discos do Rui Veloso, fumo o dia inteiro (e às vezes a noite inteira) sem qualquer espécie de culpa.
Onde o cronista se deita no divã in Jornal de Notícias de 13 de novembro de 1991
96. Não é verdade que, se calhar, envolvi nisso algum do meu coração – e pior: que talvez algum do meu coração se tenha deixado envolver nisso (estará também ele contaminado pela usura, o meu coração?) – e não é verdade que, muitas vezes, me inconformei e me impacientei?
Para quê? Para quê? in Jornal de Notícias de 16 de outubro de 1991
95. Hoje ainda me acontece olhar as minhas palavras, embora (pobre de mim) tenha perdido para sempre a capacidade de, como num espelho, me surpreender a mim próprio nelas.
Para quê? Para quê? in Jornal de Notícias de 16 de outubro de 1991
94. Quando eu era criança (porque todos fomos crianças uma vez, mesmo aqueles que nos custa a acreditar que o tenham sido) costumava ficar longas horas a jogar um perigosíssimo jogo infantil
Para quê? Para quê? in Jornal de Notícias de 16 de outubro de 1991
93. E, já agora, se possível, ensiná-los, em tempos de confusão, a distinguir as religiões das igrejas, sobretudo quando estas, como terá feito a igreja comunista (e como o fazem tanas outras igrejas e semi-igrejas de generosos ideários), fundam os seus alicerces sobre o silêncio e sobre a intolerância.
O comunismo acabou? in Jornal de Notícias de 18 de setembro de 1991
92. Chegámos, parece, a dias em que vale tudo, até arrancar olhos; e, prior, lucrar com isso, como no magalhânico caso (se são lucro os proveitos parlamentares, uns anos mais para a chamada reforma e um lugar elegível no partido mais à mão de semear).
O comunismo acabou? in Jornal de Notícias de 18 de setembro de 1991
91. os crimes feitos em nome do comunismo (e não são poucos) não destruirão a utopia comunista, como os crimes feitos, ao longo dos séculos, em nome do cristianismo (e não são igualmente poucos) não destruíram, nem eles, a utopia cristã.
O comunismo acabou? in Jornal de Notícias de 18 de setembro de 1991
90. Se do Sporting não espero, há anos, grande coisa, esperava, confesso, um pouco mais de Vilhena, mesmo sem ser leitor do Fala Barato (o que não é mal nem bem nenhum, já que também não o sou de A Bola nem do Jornal de Letras).
Onde o cronista reflecte sobre a incompreensão dos homens in Jornal de Notícias de 22 de maio de 1991
89. A minha tragédia resulta de uma explosiva mistura literária: um quarto de ambiguidade, três quartos de maldade e mais outro quarto de ingenuidade, tudo o que frequentemente dá uma prosa excessiva (exactamente com um quarto a mais) e irónica, que deve evidentemente ser servida fria.
Onde o cronista reflecte sobre a incompreensão dos homens in Jornal de Notícias de 22 de maio de 1991
88. Eu é que sei, que já me sucedeu, há muitos anos, ser processado por chamar «ilustre» a um advogado («eppur» tratava-se de um advogado q.b. «ilustre», assim o tendo entendido também o juiz, que mandou sem julgamento o processo para o arquivo morto e o causídico para casa, tudo com um sorriso e uma palmada nas costas…).
Onde o cronista reflecte sobre a incompreensão dos homens in Jornal de Notícias de 22 de maio de 1991
87. Uma testemunha não é tratada (nem respeitada) como um desinteressado colaborador da justiça, mas como um intruso; e quem se presta a depor em juízo é porque não está no seu juízo…
J’accuse! in Jornal de Notícias de 8 de maio de 1991
86. Aos poucos tornei-me cínico e descambei pelos duvidosos territórios da ironia; e hoje é por pura maldade que escrevo certas palavras (pelas quais na adolescência seria capaz, pensava eu, de morrer) com maiúscula.
J’accuse! in Jornal de Notícias de 8 de maio de 1991
85. Depois fui aprendendo, quase sempre à minha custa, como a Lei e os seus sacerdotes são, afinal, humanos, demasiadamente humanos, e como raramente estão acima de todas as suspeitas (frequentemente, aprendi também, estão até abaixo).
J’accuse! in Jornal de Notícias de 8 de maio de 1991
84. Uma das piores desilusões (foi há muitos anos e eu era, como todos fomos provavelmente um dia, jovem, e tinha a cabeça e o coração cheios de coisas grandes e belas e das façanhas de Perry Mason nos livros da «Colecção Vampiro»…) que tive na faculdade de Direito foi a descoberta de que o Direito e a Justiça são parentes muito afastados.
J’accuse! in Jornal de Notícias de 8 de maio de 1991
83. Porque, infelizmente, os poetas (até os poetas surrealistas) também comem e também precisam, como os mortais comuns, de mudar de roupa e de sapatos.
E no entanto… (Louvor do dinheiro e da usura) in Jornal de Notícias de 17 de abril de 1991
82. Um jovem com imaginação está sentado num emprego bancário e num poema de Murilo Mendes (e na minha frágil memória dele) fazendo contas às contas de um homem rico.
E no entanto… (Louvor do dinheiro e da usura) in Jornal de Notícias de 17 de abril de 1991
81. E no entanto… (mas isso fica para outra crónica. Talvez com a modinha do empregado bancário, de Murilo Mendes, por epígrafe).
Aos nossos heróis in Jornal de Notícias de 3 de abril de 1991
80. Até os tiranos são pequenos tiranos, liberais e pragmáticos (raio de palavra!).
Aos nossos heróis in Jornal de Notícias de 3 de abril de 1991
79. E, entre as minhas palavras e a fidelidade à crónica e ao leitor (lembro-me pateticamente de Dirk Bogarde no Modesty Blaise, de Losey, incapaz de se decidir entre duas lagostas), opto pelas minhas palavras e calo-me. Que o deus dos cronistas me perdoe!
Que o deus dos cronistas me perdoe! in Jornal de Notícias de 27 de março de 1991
78. Quantas vezes tenho metido o papel à máquina com a melhor (e quase sempre com a pior…) das intenções e as minhas palavras principiam desatadamente a escrever-se a si próprias, e provavelmente – que sei eu? – a escrever-me também a mim, completamente fora da minha autoridade de dono da máquina de escrever e da autoridade das minhas intenções e da minha vontade!
Que o deus dos cronistas me perdoe! in Jornal de Notícias de 27 de março de 1991
77. As palavras (descobri-o penosamente ao longo de muitos anos a escrever palavras) escrevem-nos a nós, mais do que nós a escrevemos a elas.
Que o deus dos cronistas me perdoe! in Jornal de Notícias de 27 de março de 1991
76. Em lugar de serem contemplados, como (a crer no dr. Fernando Pádua) parece que deveriam ser, com subsídios de risco, os fumadores portugueses estão a ser transformados aos poucos em cidadãos de segunda.
O cronista adverte que esta crónica pode prejudicar a saúde in Jornal de Notícias de 6 de março de 1991
75. contrariamente aos cidadãos saudáveis (gente associal que se prepara para se arrastar por aí inutilmente até aos 100 anos), (os fumadores) só vivem meia dúzia de anos à custa da Segurança Social.
O cronista adverte que esta crónica pode prejudicar a saúde in Jornal de Notícias de 6 de março de 1991
74. Onde é que eu ia? (parei para tossir e perdi o fio à meada da crónica…). Ah os imposto!
O cronista adverte que esta crónica pode prejudicar a saúde in Jornal de Notícias de 6 de março de 1991
73. No meu caso, por exemplo (e eu sou um português desobediente comum, que entrega o IRS fora de prazo e não paga a taxa de TV), o «big brother» tem-me ajudado decisivamente a vencer as crises de confiança no tabaco que, de quando em quando, me assaltam…
O cronista adverte que esta crónica pode prejudicar a saúde in Jornal de Notícias de 6 de março de 1991
72. Reinaldo Ferreira descreve nas suas Memórias de um ex-morfinómano a forma como o poeta C.P. se viciou no ópio. Conforme me lembro, a coisa foi mais ou menos assim: Camilo Pessanha (está-se mesmo a ver quem as prudentes iniciais fingem que escondem) nunca tinha sentido qualquer curiosidade pelo ópio;
O cronista adverte que esta crónica pode prejudicar a saúde in Jornal de Notícias de 6 de março de 1991
71. Pablo Neruda que, além de chileno, era poeta e comunista (uma desgraça nunca vem só),…
Para que não se diga que não falei de flores in Jornal de Notícias de 13 de fevereiro de 1991
70. …e requerido de novo os que entretanto perderam a singular qualidade portuguesa que é a validade (que faz com que um documento a dizer que se nasceu só valha durante alguns meses e, depois, haja que o substituir por outro a dizer exactamente o mesmo, isto é, que se nasceu);
Para que não se diga que não falei de flores in Jornal de Notícias de 13 de fevereiro de 1991
69. quando a evidência é que (pelo menos em geografias menos fadistas) mais vale ser rico e com saúde do que pobre e doente…
Somos uns queixinhas in Jornal de Notícias de 6 de fevereiro de 1991
68. Nós (e certamente com muitos menos motivos do que os irlandeses) exibimos chagas e as infelicidades como se fossem medalhas.
Somos uns queixinhas in Jornal de Notícias de 6 de fevereiro de 1991
67. … enquanto as crianças, no banco de trás, para aproveitar o tempo (completamente irrecuperáveis, as crianças, incapazes de não fazer absolutamente coisa nenhuma) dormem.
Uma crónica de domingo in Marie Claire, maio de 1990
66. (Vai o cronista a meio da prosa, conduzindo avulsamente a crónica por questões e considerações de duvidosa importância, como é próprio do tema, e descobre a certa altura que a crónica vai a guiar sozinha e que, como se já soubesse o caminho, se desvia insidiosamente da ternura – sentimento ocioso e dominical – para a ironia. Meta-lhe, pois, à crónica, travões o cronista e faça-a voltar à mão. A crónica, hoje que é domingo, e que é Primavera, que se escreva vagamente sozinha, mas não tão sozinha assim, pois que o cronista também não é, como o outro não era, romancista russo aplicado…).
Uma crónica de domingo in Marie Claire, maio de 1990
65. (Estou a lembrar-me de um secretário de Estado da Cultura, Vasco Pulido Valente, que, aqui há uns anos, justificava a pobreza dos subsídios de teatro com os misteriosos poderes da pobreza para gerar criatividade…)
Uma crónica de domingo in Marie Claire, maio de 1990
64. Invejam a sua impunidade fiscal e a sua ligeireza de pernas (e, às vezes, de mãos) e açulam contra eles todas as polícias.
Perto do coração in Marie Claire, janeiro 1990
63. A cidade está cheia destes pequenos empresários de elevado potencial e comprovada iniciativa, sobrevivendo (ó suave milagre!) sem fundos da CEE nem apoios do Governo, gente que não tem notícias nas revistas mundanas nem voz no Parlamento e que, anonimamente, pulsa imenso sangue da vida quotidiana comum.
Perto do coração in Marie Claire, janeiro 1990
62. Deita-se em cima da mesa, indiferente e absoluto e, num gesto que nem isso é, um gesto (e muito menos largo, ou liberal, ou, como dizia o outro, moscovita), deixa tudo para nós, os homens, os assuntos e a falta deles.
O gato não in Marie Claire, setembro de 1989
61. Os cinemas passam filmes inimagináveis (onde é que os exibidores vão desencantá-los, aos monos de Agosto e Setembro?);
O gato não in Marie Claire, setembro de 1989
60. Não há cronista que não se encontre um dia diante deste problema (se é que é um problema): não ter nada parecido com um assunto e ter a crónica à perna.
O gato não in Marie Claire, setembro de 1989
59. (E nunca consegui deixar de sair de casa, que diabo ficaria eu a fazer em casa numa noite de S. João?).
A crónica na rusga in Marie Claire, junho de 1989
58. Meto um alho-porro na mão da crónica e aí vamos nós, porta fora, desajeitados e ridículos (e se passa alguém conhecido?, e sem alho?…) até que a vertigem e o aturdimento da noite anónima nos engolem também, passe quem passar.
A crónica na rusga in Marie Claire, junho de 1989
57. Uma Nação onde é difícil provar seja o que for e onde os espertos sabem como ninguém que assim é (e os responsáveis do Fundo Social Europeu que o digam…).
A nação ao espelho in Jornal de Notícias de 20 de agosto de 1988
56. Como é que o leitor vai provar que o guarda-chuva dentro da sua barriga é do cirurgião e não do anestesista? (Você até estava a dormir…).
A nação ao espelho in Jornal de Notícias de 20 de agosto de 1988
55. O mecânico operou o seu automóvel a qualquer apêndice e deixou lá dentro a sua (dele) incompetência? O mal é seu (e, no pior dos casos, do automóvel).
A nação ao espelho in Jornal de Notícias de 20 de agosto de 1988
54. Porque, pouco dados a minudências jurídicas e pouco versados em direito probatório, os cidadãos comuns (se é, que neste, país, há cidadãos comuns)…
A nação ao espelho in Jornal de Notícias de 20 de agosto de 1988
53. Lá na sua (e o que ele sua – e soa – diante das câmaras embasbacadas da «sua» televisão!), Jardim é, como se diz no Porto, o «maior da ilha dele».
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
52. Os jornais e a TV programam-no nos blocos informativos e não recreativos, e por isso ninguém se terá lembrado ainda de Jardim para o «óscar» do melhor (ou, pelo menos, do mais evidente) actor secundário do circo democrático!
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
51. Jardim atira-se ao «Continente» (o hipermercado de onde, como os contribuintes sabem, gasta sem pagar desde que subiu ao trono) como um leão esfomeado a um cristão.
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
50. Alberto João Jardim é certamente a mais delirante invenção da chamada jovem democracia portuguesa. Só por causa dele valeu a pena o 25 de Abril (sem querer ser injusto para Ângelo Correia e para Maldonado Gonelha!).
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
49. De qualquer modo, já avançou, a crónica, alguma coisa, mesmo tendo gasto quatro parágrafos nisso. Já conseguiu meter Jardim na prosa e, com um pouco de sorte, talvez até já tenha resolvido a questão do «como começar». (O problema é que restam ainda o «como acabar» e o «como mear»!).
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
48. (O gosto pelas subtilezas há-de ser o fim delas, destas crónicas, num mundo como o nosso, e sobretudo o deles, feito de grossa matéria e de não menos grossas evidências…)
Crónica de uma crónica adiada in Jornal de Notícias de 13 de agosto de 1988
47. Todos queriam ir também à loja (eu é que lhes não disse onde era!) onde os portugueses eram very welcome para terem saké e jarrinha de porcelana de borla…
Louvação de Oliveira de Figueira in Jornal de Notícias de 23 de julho de 1988
46. E, num arroubo de reconhecimento e cordialidade (nunca um português lhe tinha entrado pela loja, e até a família fora chamara lá dentro para me ver!) ofereceu-me tudo o que eu lhe queria comprar e embrulhou-mo num chamejante papel de seda amarelo.
Louvação de Oliveira de Figueira in Jornal de Notícias de 23 de julho de 1988
45. (O que prova que Hergé sabia mais de nós e da nossa errante natureza do que poderia fazer supor o facto de, para ele ou, ao menos, para a sua obra, não haver portugueses maus).
Louvação de Oliveira de Figueira in Jornal de Notícias de 23 de julho de 1988
44. O mesmo, por exemplo, não podem fazer os gregos (o mais tenebroso inimigo de Tintin é um grego, o ricalhaço Rastopopoulos) nem os ingleses, nem os americanos…
Louvação de Oliveira de Figueira in Jornal de Notícias de 23 de julho de 1988
43. Em pleno quinto centenário dos Descobrimentos, talvez seja a altura de trazer ao lume (brando, brando…) da crónica o inesquecível señor (con ñ) Oliveira de Figueira.
Louvação de Oliveira de Figueira in Jornal de Notícias de 23 de julho de 1988
42. Já aos políticos (se calhar com a excepção de António Ferro) ninguém, nem a poesia de Pessoa, deve nada.
Os salteadores da arca perdida in Jornal de Notícias, 18 de junho de 1988
41. estou a lembrar-me de João Gaspar Simões, de Maria Aliete Galhoz, de Teresa Rita Lopes, de Eduardo Lourenço, de Agostinho da Silva, de Dalila Pereira da Rocha e de muitos outros (mesmo de alguns dos militantes da terrível tropa dos assistentes universitários que se lançaram ao assalto da arca perdida).
Os salteadores da arca perdida in Jornal de Notícias, 18 de junho de 1988
40. Ao contrário dos poetas, a poesia, felizmente, não serve para nada. A não ser aos poetas (aos poetas que escrevem poesia e aos poetas que lêem poesia). Tenebrosa e absoluta, a poesia furta-se (os poetas nem sempre…) aos dedos grossos do poder, mesmo quando se verte em cantorias de louvor e exaltação.
Os salteadores da arca perdida in Jornal de Notícias, 18 de junho de 1988
39. A estranha sedução e reverência que a poesia, a arte e, em geral, a chamada cultura despertam nos que mandam e nos que têm dinheiro (qualidades que, na maior parte dos casos, andam juntas…)
Os salteadores da arca perdida in Jornal de Notícias, 18 de junho de 1988
38. Não é fácil ser criança. (Para dizer a verdade, ser adulto, o que quer que isso signifique, também não é…).
Alguns jornais velhos in Jornal de Notícias, 28 de maio de 1988
37. (Segundo se lê esta semana no Tempo, o entusiasmo ortodoxo leva-o já a reclamar purgas dentro do próprio PSD!).
Louvor e simplificação de Pacheco Pereira in Jornal de Notícias, 21 de maio de 1988
36. trata-se, todavia, mais do que de um «aggiornamento», de um (como é que se diz?) «percurso político».
Louvor e simplificação de Pacheco Pereira in Jornal de Notícias, 21 de maio de 1988
35. E tendo o estalinismo e a intolerância mudado de sítio, mesmo tendo-se (o estalinismo e a intolerância) tornado «softs» e descafeinados pelo caminho, que poderia Pacheco Pereira fazer senão, correr atrás deles?
Louvor e simplificação de Pacheco Pereira in Jornal de Notícias, 21 de maio de 1988
34. … Pacheco Pereira terá justamente granjeado estatuto de autêntica metáfora nacional (ainda ninguém se lembrou de um Grande Prémio Nacional de Arrependimento, mas não menosprezemos a imaginação premiante portuguesa…).
Louvor e simplificação de Pacheco Pereira in Jornal de Notícias, 21 de maio de 1988
33. Pode estranhar-se (até eu estranho) a por assim dizer insistência com que estas crónicas perdem tempo e espaço com Pacheco Pereira, o fogoso deputado liberal e de Esquerda e social-democrata e independente.
Louvor e simplificação de Pacheco Pereira in Jornal de Notícias, 21 de maio de 1988
32. Na verdade não quero que isto – não sei o quê – sirva para nada em especial (acho que consegui dizer uma coisa do género na problemática entrevista da Rádio).
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
31. Vou falando da chuva e do bom tempo, da memória, das minhas circunstâncias e das minhas perplexidades, dos trabalhos (sobretudo dos trabalhos forçados)…
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
30. Se me perguntam (como não me lembrei de Santo Agostinho na Rádio Universitária) não sei o que é, se não me perguntam sei.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
29. As coisas (a barriga, as unhas, as crónicas) servem para usos que escapam a grandes reflexões e o que são furta-se quase sempre àquilo que se sabe delas.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
28. Há muitos anos, já não me lembro porquê (de facto é uma pergunta insolente), perguntei aos imensos três anos de minha filha: «Para que serve a barriga?». E ela: «Para coçar a barriga!». Era indesmentível.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
27. Num certo poema, o filho de O’Neill pergunta-lhe com ingénua sabedoria: «O que é o fogo?». «É o que queima!», responde o pai chegando-lhe (um pai poeta é um problema para um filho!) lume aos dedos.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
26. Eu podia ter respondido (fosse eu chinês…) que crónica é isto (não sei bem o quê); mas a verdade é que não sei o que isto é.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
25. O ideograma chinês que significa vermelho contém, pelo contrário, vários elementos vermelhos (o flamingo, ainda e sempre por exemplo, embora esteja a citar tudo isto de cor), e o vermelho é aquilo.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
24. O caso deu-me para pensar (naturalmente sob a forma de crónica) acerca de definições, que é coisa com que nunca me entendi.
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
23. E ainda mal estava refeito da provação já tinha que me safar de outra dramática: «E para que servem crónicas?» (Eu que andava a pensar numa entrevista à secretária de Estado da Cultura com perguntas más como: «O que é cultura?»…).
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
22. Ricardo Pinto, cronista da Rádio Universitária, pôs-me outro dia, aos microfones (um sítio perigosíssimo!), uma questão de todo improvável: «O que é isso de crónicas?».
Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto in Jornal de Notícias, 23 de abril de 1988
21. Nesta altura converter-se-ia a qualquer religião, assinaria letras e baixo-assinados em branco, prometeria qualquer coisa (até ler o Correio da Manhã!), em troca de um bom assunto, se não fosse pedir muito já pronto para ir para a fotocomposição!
New Jersey fora de horas in Jornal de Notícias, 9 de abril de 1988
20. Do lado, como bombeiros o mais voluntários possível, acorrem amigos: ouviste o que disse o Cavaco sobre a popularidade do Governo?; e sobre a greve geral?; ó Pina, escreve sobre o pãozinho quente e o leitinho de Cavaco no dia da greve geral; toma a lista dos enganos de Cavaco, ele que nunca se engana e raramente tem dúvidas (ou que nunca tem dúvidas e raramente se engana?); e a Leonor Beleza?, escreve sobre a Leonor Beleza; olha: conta aquela do polícia sinaleiro de Setúbal…
New Jersey fora de horas in Jornal de Notícias, 9 de abril de 1988
19. Perdemos Fernando Pessoa irremediavelmente; conseguimos salvar Mário de Sá-Carneiro, Camilo Pessanha e Cesário (os vivos, como Eugénio, estão por natureza a salvo dos comemorativos, que fogem da vida como o diabo da cruz), e o próprio arquipélago pessoano tem ainda recantos e alturas onde só se pode chegar armado de um amor proibido aos publicitários e aos donos dos partidos.
Reivindicação da poesia in Jornal de Notícias, 19 de março de 1988
18. A palavra «cultura» enche as bocas (e é de crer que algumas bolsas também) e suspeita-se por esses lados que poesia, o que quer que isso seja, tenha algo a ver com «cultura».
Reivindicação da poesia in Jornal de Notícias, 19 de março de 1988
17. Ao todo, e descontados os que lêem por obrigação, em penosas autópsias nas aulas de Linguística, não serão mais de duzentos ou trezentos os leitores de livros de poesia, e outros tantos (tudo fica, pois, entre nós, entre nós, não é, O’Neill?) os que inconfessadamente escrevem poesia.
Reivindicação da poesia in Jornal de Notícias, 19 de março de 1988
16. Não transformámos o mundo nem mudámos a vida; a vida é que nos mudou a todos (o «Che» morreu na Bolívia, baleado por um «ranger» anónimo; José Afonso morreu de doença; e o Artur Queirós ganhou o Prémio Ibéria de Jornalismo).
1988 in Jornal de Notícias, 5 de março de 1988
15. Continuam (continuamos) tão razoáveis como dantes; só que já não exigimos o impossível, mas tão-só deixarmos de ser pobres e, se não for pedir muito, sermos ricos, ou podermos ostentar «look» em conformidade; o BMW (ou, ao menos, o Rover), o American Express (ou, ao menos, o Visa), a casa de praia (nem que seja em «time sharing»), o fato Pestana & Brito (na pior das hipóteses da Alfaiataria Ayres), as acções da SONAE (ou, vá lá, da PROADEC).
1988 in Jornal de Notícias, 5 de março de 1988
14. Há 20 anos éramos esquerdistas, maoístas, trotskistas, guevaristas, anarquitas; hoje somos todos neo-liberais e post-mordenos (enfim, quase todos…).
1988 in Jornal de Notícias, 5 de março de 1988
13. «Noblesse oblige» e a paz e a gramática das famílias (Nação é com maiúscula, Governo e Imprensa com as maiores maiúsculas possíveis) também «obligent».
Breve tratado de saber viver para as novas gerações de jornalistas in Jornal de Notícias, 12 de dezembro de 1987
12. O contribuinte A (que é como quem diz você, leitor, ou este seu criado, ou qualquer um de nós) perdeu o tempo, a paciência e alguns contos de réis na Repartição de Finanças B, enquanto os funcionários discutiam o golo de Madjer em vez de lhe darem atenção, ou envolveu-se em controvérsia com o notário Sicrano, que lhe não reconheceu o atestado porque o papel de 25 de linhas era azul bebé e não azul celeste e tinha margens mais estreitas do que as devidas?
Não há portugueses maus publicado in Jornal de Notícias, 21 de novembro de 1987
11. A culpa é dos serviços de Saúde, não do médico nem da enfermeira (quando muito é dos serviços de Saúde mais do jornal que dá a notícia…).
Não há portugueses maus publicado in Jornal de Notícias, 21 de novembro de 1987
10. O geral tem larguíssimas costas: as culpas dos males nacionais são todas da sociedade, do sistema, do modelo económico, do Estado, do Governo (nunca do ministro Fulano ou do ministro Sicrano, mas do Governo, quando não dessa misteriosa entidade que é o Executivo, tudo seres do mais geral que, quanto a generalidades, se pode arranjar), ou ainda do regime, da organização dos serviços, da burocracia e de outras abstracções por aí adiante, até ao fado, que é a mais geral e mais portuguesa forma de fazer queixas sem atirar com as culpas para ninguém nem para coisa nenhuma.
Não há portugueses maus publicado in Jornal de Notícias, 21 de novembro de 1987
Em Portugal o concreto fá-las e o geral é que (em geral) as pagas.
Não há portugueses maus publicado in Jornal de Notícias, 21 de novembro de 1987
9. O Tribunal de Polícia vai agora ser chamado a dirimir na antiga questão da arte pela arte ou da arte pela vida. E, como é de esperar, optará (muito concretamente) pela mais abstracta das duas posições, e o homem de 23 anos aprenderá à própria custa coisas essenciais: que os cisnes são para encher os olhos e não a barriga e que a beleza não se come.
Os olhos e a barriga publicado in Jornal de Notícias, 05 de outubro de 1985
8. Só que o caso pessoano levanta inesperadas dificuldades a esta política mortuária, e os coveiros literários encarregados do serviço pelo Governo vão ver-se e achar-se para destrinçar, no amontoado de omoplatas, esfenóides, escafoides, rádios, metacarpos, falanges, falanginhas, calcâneos, trapezóides, etc…, os do próprio Pessoa-ele-próprio, os de Álvaro de Campos, os de Alberto Caeiro, os de Ricardo Reis, os de Bernardo Soares e os de todas as outras pessoas de que, como se sabe, a pessoa pessoana era feita (e é agora desfeita).
Pessoa comemorado até aos ossos publicado in Jornal de Notícias, 22 de junho de 1985
7. E o Governo, com o por assim dizer cuidado que sempre põe nas coisas «culturais» (sobretudo quando se trata de ossos), mandou que se recolhessem e se guardassem nos Jerónimos.
Pessoa comemorado até aos ossos publicado in Jornal de Notícias, 22 de junho de 1985
6. O subsolo nacional (para usar a preciosa expressão do coronel Jaime Neves) anda num desassossego.
Pessoa comemorado até aos ossos publicado in Jornal de Notícias, 22 de junho de 1985
5. Jean-Luc Godard (ainda por cima um francês) fez um filme que ninguém viu, nem Abecasis; mas toda a gente sabe, Abecasis incluído, que nele é tratado com a mais francesa das faltas de respeito o assunto da Imaculada Conceição.
Je vou salue, Abecasis publicado in Jornal de Notícias, 15 de junho de 1985
4. E a proposta do CDS (as crónicas parlamentares não contam se os deputados do CDS se sentaram instintivamente quando viram a Maioria de pé, e votaram por engano contra a sua proposta…) foi aprovada pela Maioria!
História trágico-parlamentar publicado in Jornal de Notícias, 23 de fevereiro de 1982
3. Os deputados do CDS, todavia, sensíveis como são à igualdade dos cidadãos perante o Orçamento (ou há moralidade…) acharam que estavam a ser injustamente discriminados pelo Governo os portugueses que comprassem moradias com piscina e garrafeira, que, como é sabido, custam mais de cinco mil contos.
História trágico-parlamentar publicado in Jornal de Notícias, 23 de fevereiro de 1982
2. Foi assim que, tendo alguém, parece, carregado por engano no botão da disciplina de voto (até podem ter sido as mulheres da limpeza das direções do PS e PSD), os deputados da Maioria, levantando-se instintivamente mal ouviram a campainha, aprovaram outro dia, sem saber o que estavam a votar, uma proposta da Oposição…
História trágico-parlamentar publicado in Jornal de Notícias, 23 de fevereiro de 1982
1. O país ficou, enfim, com deputados lustrosos e prestigiados (passado pouco tempo prestigiaram-se também a si próprios os outros políticos).
História trágico-parlamentar publicado in Jornal de Notícias, 23 de fevereiro de 1982
NOTA DO EDITOR: Considerando a relevância dos apartes do jornalista e poeta Manuel António Pina, repletos de humor e pertinência, decidimos ir à cata daqueles nos textos publicados pelo autor. Vão ver que certos apartes valem pela crónica toda, o que pode ser confirmado pela consulta das respetivas edições dos jornais e revistas. Tenham bom proveito!
PS: para separar os apartes colocamos um gato, por ser o animal predileto de Manuel António Pina. Esperemos que não assuste os pombos correios do Correio do Porto.
OS GATOS
Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem
Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa
Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos
Publicado in Como se desenha uma casa, edição Assírio & Alvim, outubro 2011, página 22.