16.
MANHÃ
– Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço… apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.
Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?
Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!
in A bicicleta e outros poemas, edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, seleção de Francisco Duarte Mangas, novembro de 2012, página 12
15.
OS GRANDES AMIGOS
São como as árvores
de grande porte.
quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte →
14.
Natal é uma voz circular
calor de um ovo na palha dos ninhos
e música de flautas habitando
a solidão dos caminhos
in POESIA COMPLETA, Organização de Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, Apresentação crítica de Luís Adriano Carlos, Edições ASA, Porto, Setembro de 2005 →
13.
Natal é renascer
Homem ou pedra que se esconde
Renascer e nascer mudando
O tempo e o lugar onde →
12.
A cidade equestre
No rio mergulha
Seus cascos de granito →
11.
Rios – alegria móvel da Terra
abrindo bocas nos fraguedos nus. →
10.
As rugas dos teus olhos
são linhas de água onde corre
o ouro que neles sobra →
9.
Torre de pedra e nuvem
De pássaros de fogo
De corpo de mulher →
8.
O vento é o cavalo do céu →
7.
Os tesouros do sol no ouro do vinho. →
6.
Verde rapariga de verdes tranças →
5.
A manhã é uma concha de água azul
Onde o sol mergulha e flutua. →
4.
Desceu a nuvem. E de vale em vale
A manhã ficou pálida suspensa
Árvores lama fronte de quem pensa →
3.
Não queremos o sangue das crianças
na boca das batalhas posto
— fauce podre de lamas desertas
Mas correndo vivo sob o rosto
numa alegria de flores abertas →
2.
O sábio das coisas simples
olhou em torno e disse:
não há profundidade
sem superfície →
1.
Vir à luz em partos duros
– ser erva rasgando a pele
granítica dos muros →
Escritor português nascido a 27 de maio de 1915, em Moimenta da Beira, e falecido a 9 de outubro de 1987, no Brasil. Depois de ter concluído os estudos liceais, Luís Maria Leitão, que adotou mais tarde o pseudónimo Luís Veiga Leitão, desenvolveu diversas atividades profissionais: foi empregado do comércio, escriturário e delegado na propaganda de informação farmacêutica. Em 1952, sofreu a experiência da prisão política sob o regime salazarista, redigindo mentalmente na cela os poemas que viria a publicar em 1955 num livro com o título Noite de Pedra, apreendido pela censura. Percorreu o país e alguns países da Europa, inaugurando, em 1957, no Collège International de Cannes, um curso de tradução de Português. Partiu para o Brasil em 1967 e aí desempenhou várias funções, entre as quais as de redator, bibliotecário, desenhador, leitor, investigador, autor e locutor de um programa de televisão sobre a moderna poesia portuguesa, tendo sido também colaborador de publicações periódicas e conferencista.Regressando a Portugal apenas em 1977, fixou residência no Porto. Colaborou nas publicações Seara Nova, Vértice, entre outras, e co-dirigiu, com Egito Gonçalves, Daniel Filipe, Papiniano Carlos, Ernâni Melo Viana e António Rebordão Navarro, Notícias do Bloqueio, uma série de fascículos, publicados no Porto, entre 1957 e 1961, que reuniam a criação poética de diversos autores, subordinada, de acordo com o título da publicação, a um intuito comum de denúncia e combate. Conhecido sobretudo pela sua vertente de poeta militante, a obra de Veiga Leitão configura um “lirismo do vivido” (cf. MARTINHO, F. J. B., ibid., 1996) pela tendência a coincidir nela sujeito de experiência e sujeito lírico, identificação de que Noite de Pedra constitui um caso modelar. Por outro lado, a aproximação entre poesia e realidade não se esgota na postura neorrealista, mas abarcará também, ao longo da sua carreira, o gosto pela inclusão de elementos descritivos e micronarrativos na versificação de impressões de viagem.
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