TÍNHAMOS uma estrada jeitosa, curvilínea, cheia de recantos bucólicos com fontes de água fresca, hidrângeas e densos arvoredos. De vez em quando passava a camioneta com suas alegrias e buzinadelas nas curvas e na aproximação às paragens.
As paragens eram lindas! Tinham um poste preto e branco com uma camioneta pintada e por perto havia uma loja, um café e outros lugares de aprazível convívio onde se bebiam uns canecos e se punha a vida de toda a gente ao sol. Depois de muitos anos de camionagem, começaram a minguar os passageiros e as camionetas. O café faliu, foi entaipado e vende-se pela melhor oferta.
Quando tudo estava quase resolvido, dos céus veio às curvas um animal gigantesco de muitas patas. Como tinha perdido a cabeça e pensava com muita dificuldade, não encontrava onde findar, estarreceu. De modo que ali se quedou também na paragem, parado, claro, na sua pose de obra de arte. Dizem que no Inverno lhe assobia o vento nas entranhas e que as andorinhas o habitam na Primavera. Prodígios da natureza.
SOBRE O AUTOR: Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.
Publicado originalmente em 4 de Agosto de 2015