O meu pai junto à janela,
quem o conheceu
conhece esta expressão,
quase fechados os olhos,
a boca quase neutra,
expectativa tranquila,
nem presente nem ausente,
complacente, solícita,
nem esquivando-se,
nem despedindo-se,
detendo-se o necessário
para este instantâneo,
nem vera efígie,
nem máscara mortuária,
o meu pai na substância do tempo,
casaco vestido, bem penteado,
um rosto claro
e imóvel à espera
do que não é importante,
de vãs imagens,
uma fina película de contenção afável,
uma resposta a quem pediu,
uma naturalidade sem vaidade,
uma lentidão disponível,
um momento que se eterniza
à espera do que vemos
reflectido no vidro atrás de si:
as sombras, depois eu,
depois as árvores, depois o céu.
in Poemas reunidos, Tinta da China, julho 2024