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Retrato do meu pai aos oitenta por Pedro Mexia

Retrato do meu pai aos oitenta por Pedro Mexia

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O meu pai junto à janela,
quem o conheceu
conhece esta expressão,
quase fechados os olhos,
a boca quase neutra,

expectativa tranquila,
nem presente nem ausente,
complacente, solícita,
nem esquivando-se,
nem despedindo-se,

detendo-se o necessário
para este instantâneo,
nem vera efígie,
nem máscara mortuária,
o meu pai na substância do tempo,

casaco vestido, bem penteado,
um rosto claro
e imóvel à espera
do que não é importante,
de vãs imagens,

uma fina película de contenção afável,
uma resposta a quem pediu,
uma naturalidade sem vaidade,
uma lentidão disponível,
um momento que se eterniza

à espera do que vemos
reflectido no vidro atrás de si:
as sombras, depois eu,
depois as árvores, depois o céu.

in Poemas reunidos, Tinta da China, julho 2024

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