Surgiu de debaixo da terra?
Desprendeu-se do céu?
Estava entre os ruídos,
ferido,
gravemente ferido,
imóvel
em silêncio,
ajoelhando-se diante da tarde,
ante o inevitável,
as veias aderentes
ao espanto,
ao asfalto,
com as suas tranças caídas,
com os seus olhos de santo,
todo, todo nu,
quase azul, de tão branco.
Falavam de um cavalo.
Eu penso que era um anjo.
in As sombras brancas, setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas, Língua Morta, novembro 2016, página 103, tradução de Jorge Sousa Braga
*
UM ANJO NO PORTO
Eu vi-o um dia destes pairando
sobre a Torre dos Clérigos
ou descendo a Avenida dos
Aliados ao fim da tarde
Disfarçava mal as asas
por debaixo da gabardina
e abdicara de auréola. Po-
dem não acreditar mas eu
vi-o. Da última vez atra-
vessava a pé o rio
Jorge Sousa Braga in Porto de Abrigo, Assírio & Alvim, novembro 2005, página 32